16 - Tulipas

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Os dias tem se arrastados e as noites tornaram-se longas.

Para Camila, aquela era a sensação que lhe acometia. Passava seus dias perambulando pelo quarto, enclausurada, e as noites sofrendo de pesadelos. Ao longo das semanas, acreditou que eles diminuiriam, tomou chás, medicamentos, contudo, de nada adiantava.

Como resultado, só dormia no limite de sua exaustão, lutando contra o sono até se ver vencida, amedrontada de voltar aos terrores noturnos de seu subconsciente.

Estava lendo um livro de romance, porém sua atenção para o mesmo não pendurava nada. Não cessava de pensar em cada mínimo momento ao lado de Lauren, de tecer análises repetitivas sobre tudo desde que conhecera a morena de olhos verdes, repassando e revivendo cada situação para garantir que não tinha se esquecido de nada.

Não chegava a novas conclusões, apesar disso. Sabia que haviam pedaços daquela história que estavam faltando, deixando as coisas menos coesas e sentia-se num loop de frustrações. Aquele era um quebra-cabeça que estava mais do que empenhada em montar, mas a peça principal, a que seria responsável por juntar todas as outras, estava enferma por sua culpa.

Camila pensou que a leitura era que não estava do seu agredo, portanto, não a cativava a continuar. Tentou adentrar a biblioteca para buscar por novas obras, mas descobriu que não conseguia. Bastava parar diante das portas da mesma para seu coração se acelerar, sua respiração ficar aritmada e ecos de disparos lhe preencherem os ouvidos com uma memória sonora que não queria ter.

Ainda não sabia o que tinha acontecido ali, mas pelo estado em que encontrou Ferreira naquela mesma noite, ou o sangue manchando por completo o terno de casamento de Lauren no dia da cerimônia, podia imaginar bem o que tinha acontecido. O que ela deve ter feito.

Desistiu de procurar por um novo livro na terceira vez que tentou adentrar a sala e se sentiu da mesma maneira estúpida e travada.

A partir de então, passou a evitar até mesmo olhar para a porta sempre que passava por ela ao subir e descer a escada. Pensou em pedir alguém para lhe escolher um livro, mas entendia que ninguém poderia fazer isso por si. Logo, numa noite a qual estava mais do que inquieta, tomou uma decisão radical. Na manhã seguinte, procurou por um dos capangas de Lauren e pediu para que retirasse todos os livros da sessão de Romance e subissem até o seu quarto.

De imediato, o capataz pensou ser algum tipo estranho de piada, mas quando a garota bufou e bateu o pé, ele de pronto disse que o faria. Movimentou seis homens para aquele trabalho, e os olhos de César se estreitaram para a cena de seus companheiros subindo com inúmeros exemplares nos braços, porém não disse ou fizera nada. Camila estava sentada sobre o chão, descalça e de pernas cruzadas, com seu vestido a protegendo de possíveis acidentes de nudismo. Organizava os livros em pilhas ao seu redor para administrar um caminho para seus passos, enquanto apontava dedo aos homens lhes dando um norte de onde colocar os outros que iam chegando.

Não dormiu naquela noite, consequentemente, não tivera pesadelos, o que considerou um ponto positivo. Mas durante o dia, simplesmente desmaiou de sono com diversos livros sobre si. Embora tenha dormido mal, não sonhou com absolutamente nada, logo deduziu, após mais duas noites viradas e dormidas ao dia, que seus pesadelos estavam estranhamente ligados à noite. Sendo assim, inverteu seus itinerários, alimentação, banhos, tudo. Trocou completamente os turnos e sua rotina.

Não leu absolutamente nada, contraditoriamente. Ao invés disso, passou a escrever as coisas que sentia, as informações que já possuía, traçando uma linha temporal entre os eventos, desejando desvendar o mistério que rondava sua vida após Lauren Jauregui entrar nela.  Quando não estava redigindo seus sentimentos e aflições, organizava e limpava os livros, ora por cores das capas, as vezes ordem alfabética, fosse dos títulos ou dos autores, e então mudava tudo de novo e os empilhavam por classificação dos que já leu, leria, ou jamais sequer abriria. Depois, invertia a ordem, ou apenas pensava em um novo tipo de típico para organizá-los, fosse por títulos, por não gostar da distribuição de quantidades em cada pilha ou o que fosse. Chegou até mesmo fazer uma sequência de número de páginas, um dia crescente, no outro decrescente.

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