Hunther Astley III

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No dia 31 de outubro de 1477, junto com a peste bubônica, nascia Hunther Astley III, sangue puro dos górgonas da casa Astley, o primeiro e único herdeiro que Astovia concebeu. Seu nascimento foi marcado por catástrofes, tragédias, um prelúdio do que seria a sua vida subsequente. Seus pais eram da realeza, sendo imunes a doenças devido a genética de sua espécie e por viverem isolados da sociedade confinados na Mansão Astley. Os portões permaneciam fechados a todo custo, um resquício dos temores da Santa Inquisição que dizimou grande parte da nobreza górgona em meados de 1233.

Os viajantes que sofriam com a mazela corriam para a floresta e imploraram por auxílio através dos portões demasiados da propriedade, mas seu choro sequer passou pelas frestas do castelo. O pequeno Hunth observava as pessoas morrendo no portão de sua casa, totalmente imponente. A única vez que tentou interagir com um deles, uma tentativa falha de alimentá-los com pão, acabou sendo acorrentado na masmorra e passou cinco dias sem comida, água, ou sequer ver a luz do sol. Quando saiu de seu confinamento, todos os corpos foram recolhidos e incinerados, o odor das cinzas ainda era vívido mesmo após tantos anos de vida.

No seu aniversário de treze anos, cansado de ver o outono somente pela vidraça do castelo, ele esperou pacientemente o horário sombrio varrer cada pedaço do horizonte. Saiu em disparada sobre os portões da floresta, correu com o vento, sentiu a grama verde sobre os pés, a liberdade invadiu seus pulmões. Sem correntes, sem mordaças, nada de açoites, apenas os galhos e a brisa noturna contra sua pele pálida. Na noite ele não se sentia um ser desprezível, ele era apenas um humano como todos os outros.

Quando se sentiu saciado, o horizonte levemente iluminado por um candelabro pairou sobre sua visão nublada pela adrenalina. Orando de joelhos sobre espigas de milho, ele a viu, o ser mais belo que já havia cruzado a eternidade. Seus olhos faiscaram devido a presença do ser miúdo, a camisola pálida como sua pele, o corpo esguio e desnutrido, o olhar perdido nos céus. Seus batimentos cardíacos descompassaram à medida que se aproximava e tinha um vislumbre completo do ser angelical, o cheiro das rosas brancas inebriaram seus sentidos. Ele estava em um feudo, em plena escuridão, mas ela era a luz para os seus demônios mais sombrios, um vislumbre da sua liberdade.

Como o predador que havia criado para ser, se esgueirou até a cerca que os separava, agarrou seu braço e a forçou a se levantar. Por que ela estava ajoelhada? Seus joelhos sangravam, por que ela estava sendo castigada? Não queria ver o seu anjo sofrendo.

Arqueou as sobrancelhas enquanto apertava a carne branca com os dígitos, a cor drenou do rosto da garota. O terror e o espanto nítido em seus belos olhos castanhos, tentou falar, mas as palavras grudaram em sua garganta como arame farpado. Garotas como ela não podiam ser vistas com meninos, mas ele era um nobre e ela apenas uma camponesa, que mal teria? Seu cenho franziu diante da resistência dela em seu apego. Por que ela tem medo de mim?

Foi quando sentiu a pele macia endurecer sobre seu toque, seu mundo parou de girar naquele maldito instante, ele finalmente havia percebido o motivo de seu temor. Seus sentimentos descontrolados haviam atiçado algo que o garoto não controlava, algo maior que ele. Sentiu as serpentes acariciarem a sua própria face enquanto soltava um soluço pesaroso, era tarde demais. O brilho de seus olhos castanhos se esvaiu e uma sombra de mármore se concretizou, a lágrima escorrida eternizada em sua bela face que um dia já tinha sido o seu anjo.

Não podia deixar seu doce anjo ali, carregou sua estátua floresta a dentro, o choro o consumindo a cada passo que dava. Não iria conseguir olhar para aquela estátua, não conseguia lidar com o remorso e a dor que sentia em seu pequeno ser. Iria dar um fim naquela casca sem vida. Roubou uma machadinha de um criado bêbado e martelou, ainda na escuridão da floresta, a cabeça da estátua. Quando se afastou para observar o que havia feito, um líquido espesso molhou seus pés descalços, era sangue. Ela ainda estava viva, ele a matou, ele era um monstro, não um humano.

Aquilo foi demais para o garoto suportar, seu crime logo foi descoberto por seus pais e mais castigos vieram, após aquele dia ele não deixou mais a mansão. O trauma e o remorso consumiram o único resquício de humanidade que pairava sobre seu ser, suas punições foram suficientes para endurecer o seu ser. Seus atos seguintes consolidaram um coração como de mármore, ele havia endurecido assim como todos aqueles que tentava tocar com todo seu ser. 

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