Assombrando você

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"Nas colinas íngremes da mata densa, é onde ele vive, seus olhos te seguem, você não tem pra onde correr. Ele sempre consegue o que quer."

31 de Outubro de 1980

Seus passos ágeis se confundem com os sons da floresta, sua cabeça está zumbindo com o cântico exalado próximo a costa. O barulho do mar sobre as rochas lascivas é quase inaudível, o mar está sendo estrangulado.

Pairando a beira do precipício, ele vê a sua silhueta, uma mulher. A luz do luar reluzia sobre suas escamas, sua pele brilhando como as estrelas de uma noite. Nem na maior obra de Van Gogh ele conseguiu se maravilhar tanto.

Por poucos segundos, enquanto sua carne rasgava sobre as rochas pontiagudas, ele foi conduzido pelo seu chamado. Se aproximou com cautela, seu sangue manchando a areia da praia de rubro. Seus joelhos fraquejaram e um murmúrio lânguido escapou dos lábios carnudos.

Quando a atenção da figura se voltou para ele, o cântico se intensificou, levando as mãos às orelhas, os tímpanos ameaçando explodir. A adrenalina correu por suas veias e elas saíram para caça, sedentas pela sua próxima vítima. O seu lado animal se sobrepondo ao seu lado homem. Minha, ela será minha, como uma estátua perpetuada por toda eternidade para o meu bel prazer.

Seus cabelos negros despertaram em cobras escuras, os dentes escorrendo a poção da morte. A garota rapidamente desviou os olhos dos seus, mas ele não parou. As orbes agora brancas forçavam sua face ao seu encontro enquanto ela gritava por ajuda.

Puxou os cabelos da base de sua nuca, agora já estavam próximos, nada os separava se não as lascas das pedras escorregadias e traiçoeiras. Seu apego só se intensificava conforme ela lutava, fugindo de seu destino final, o endurecimento de sua casca.

Com um golpe rápido, ela decapitou a cabeça de uma de suas cobras, a dor excruciante vagueou por seu peito. Ajoelhou, enquanto sentia o sangue escuro verter da parte que lhe faltava. Aquela era a dor do inferno, sentia as outras se retorcendo em angústia por sua similar.

O cântico cessou, apenas o leve queimar restou em sua garganta enquanto a garota, tão ferida quanto ele, se recolhia em meio às ondas. Você será o meu fim, musa.

31 de outubro de 2000

O mesmo cântico entoou, se passaram vinte anos desde sua primeira aparição. Descendo as pedras com o ódio instalado em seu corpo, a mesma dor na sola de seus pés, a mesma noite escura, a mesma estrela em meio a escuridão.

Não deixou suas cobras a mostra, puxou o capuz com força enquanto sorria como um maníaco diante da porra de um banquete. Seu olhar cruzou o seu, mas ele o desviou antes que fosse tarde demais. Ela era como o fogo, ele ia se queimar.

— Por mais que grite, por mais que tente esquecer esse sentimento, por mais que a senhorita prefira me temer a me amar. Saiba que eu irei te seduzir, no final de tudo, você não passará de mais uma estátua na minha bela coleção de musas.

Seu sorriso de escárnio se formou ao escutar sua proposta. Se falhasse e se apaixonasse por ela, teria sua cabeça cortada. Fizeram um juramento de sangue naquele dia, condenando seus próprios destinos. A mesma noite, o mesmo mar, os mesmos olhos tempestuosos como o oceano, a sua estrela. 

Hunth YouOnde histórias criam vida. Descubra agora