Com o risco de perder a casa onde mora com sua amiga, Jean se vê na obrigação de agir. E como uma forma de conseguir a grana de forma rápida, ela decide vender a sua viringadade online, o que, em certa circunstâncias, pode acabar não dando certo.
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Jean nunca esteve se sentindo tão deprimente desde que seu ciclo menstrual começou a atormentá-la, aos treze anos. Não que fosse uma escolha, embora seja impossível se sentir melhor quando claramente ela e sua amiga, Bea, estão por um fio de serem expulsas do pequeno cômodo quadrado que estão enfiadas desde do ano passado, quando conseguiram sair de casa e foram embora para Vale dos Cervos. Apesar do cheiro de meia velha e de algumas baratas voadoras quase-sempre-assustadoras, esse foi um dos únicos lugares que conseguiram encontrar com a grana que tinham, o que não era muito. Mas tirando o fato de que na semana passada Bea encontrou um rato morto no ralo do banheiro, até que as coisas estavam indo bem, ou mais ou menos. Bem, ambas estão à procura de empregos qualificados, mas a busca tem se tornado cada vez mais cansativa e vergonhosa. Jean até já cogitou voltar para casa, mas sabe muito bem que não seria uma escolha interessante, já que seus pais estão ocupados demais, entupindo o rabo de cocaína para lidar com seus “dramas” de filha. Já Bea, coitada dela. Às vezes Jean tem a sensação de que a garota está por um triz de cometer atos suicidas. O que, nessa altura do campeonato, não seria tão inadequado. E voltar para casa dos pais dela também estava fora de cogitação, uma vez que são conservadores demais para aceitarem o fato de que filha é uma mulher trans. Mas apesar de tudo, Jean ainda tem uma carta na manga. Ela andou pesquisando de maneira quase aleatória quanto vale cada parte do corpo humano no Mercado Paralelo. Ela sabe que isso é estranho, mas tinha que usar a única coisa que está a seu favor no momento. A internet. Depois de uma extensa pesquisa, Jean havia elaborado um plano, mas que não envolvia vender órgãos humanos ou coisas do tipo, pois ela se julgava burra demais para cometer alguma atrocidade desse tipo. Mas o que estava prestes a fazer consistia em algo parecido com vender um corpo, mas vivo, o corpo dela. Não da mesma forma que vender um cadáver, mas ainda assim, parecia estranho e inadequado. Há dois dias ela entrou em um site de encontro com homens mais velhos, e logo, sem poupar esforços, começou a conversar com um cara chamado Daddy Dominador. Gentil, carinhoso, curte coisas casuais e com fetiche em gargantas, de acordo com o perfil. Ele parecia ser um cara legal e teve uma oferta generosa ao literalmente comprar a virgindade de Jean. Ela sabia que isso seria estupido de sua parte, mas estava precisando do dinheiro. E o que mais poderia fazer? Já que encontrar emprego na Zona Sul de Vale dos Cervos se tornou tão difícil quanto achar uma agulha no palheiro. E não seria tão ruim afinal de contas, ela pensava.
— Você acredita que aquele escroto do Males disse que na lojinha dele não oferecem vagas para quem não tem experiência? — Disse Bea. Ela tinha acabado de chegar em casa, se jogando no sofá velho, ao lado de Jean, que quase borrou a sombra nas pálpebras. — Tipo, o trabalho é literalmente limpar o chão. Que tipo de pessoa precisa ter experiência para limpar um chão? Jean a olhou de canto, dessa vez, passando rímel. Seu reflexo era notável no pequeno espelho. — Sei lá, talvez um tipo de pessoa que não deixa as calcinhas pelo chão do banheiro ou em cima da privada? — Bea revirou os olhos. — Isso só aconteceu uma vez, e eu estava bêbada demais para lembrar de pôr a calça no cesto. — Retrucou a garota de cabelos curtos, delineado forte e de pele marrom. — Sinto muito por não ter conseguido o emprego, Bea. — Não, tá tudo bem. Esse povo da Zona Norte é mesmo metido a besta. Pelo menos agora eu posso colocar mais um ítem na minha pequena-grande-lista de fracassos! — Olha, eu sei que as coisas estão apertadas, mas se tudo der certo, talvez eu seja chamada semana que vem para uma entrevista na Livraria do Centro. Eu dei uma avaliada e o salário não é tão ruim. Dá para lidar com as despesas e o aluguel até você encontrar um emprego também. — Tipo, o Centro fica do outro lado da cidade. Não ia ficar muito longe para você? E pode ser que eles nem te chamem. — Um silêncio constrangedor se instala. — Desculpa, eu não devia ter falado isso. Foi péssimo. — Muito péssimo — Jean solta uma pequena risada. — E, só para deixar claro, eu claramente iria, Bea. Até porque ninguém frequenta aquele lugar. E o salário é uma bosta. Quer dizer, razoável. Bea deu de ombros. — Mas vem cá, me conta, você vai aonde tão arrumada assim? Jean engoliu em seco. Ela não gostaria que Bea soubesse de seu plano. Seria vergonhoso. Então omitiu. — É tipo um encontro. — Um encontro de verdade? — É. — Dessa vez, ela olhou para amiga. — A gente tá conversando há um tempo, sabe? Não é nada sério, só…estamos nos conhecendo. — Legal. — Bea ficou com as pernas cruzadas no sofá. — Mas cuidado, esses caras da internet podem ser estranhos. — E você acha que eu não sei? Bea riu. — Você lembra daquela vez? Tipo, o cara literalmente pediu para eu mijar na boca dele. — Bea pareceu pensativa por um instante, parecendo lembrar do acontecimento. — Aquilo foi estranho pra caralho. As garotas riram. — Mas olha, eu só quero que você tome cuidado. — Bea pareceu séria dessa vez, tocando a perna da amiga. — Eu vou ficar bem, sua boba. Qualquer coisa eu mando mensagem. — Tá, eu só tô querendo que você se cuide. As pessoas daqui podem ser…um tanto questionáveis. — Eu vou ficar bem. — Jean sorriu de canto. — Ah, e eu vou precisar da sua bicicleta. Ela sabia que mentir assim para a amiga poderia ser prejudicial, entretanto, perder o único teto que tinham não era uma escolha legal.