"Alvorecer nas Criptas"

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Aquele amanhecer trouxe consigo um véu de neve que se deitou suavemente sobre a caravana real, transformando a paisagem em um cenário prateado sob o pálido sol nascente. Os flocos caíam sem pressa, dançando em espirais silenciosas antes de se assentarem, imperturbáveis, no chão. A comitiva real se movimentava com eficiência militar, desmontando as tendas enquanto o vapor de suas respirações se fundia com o ar cortante do Norte.

Lyanna se levantou com as primeiras luzes da manhã, o frio mordendo sua pele mesmo sob as camadas de roupas pesadas que usava. Saindo de sua tenda, ela percorreu o acampamento, deixando que seus olhos absorvessem a crua beleza da terra do Norte. Havia uma simplicidade rústica ali, uma majestade fria que ela começava a apreciar.

Caminhando até a fogueira mais próxima, onde algumas servas preparavam o desjejum, Lyanna encontrou Tommen e Myrcella já despertos, suas faces rechonchudas tingidas de um rosa saudável pelo frio. Joffrey, por outro lado, estava de pé com seu habitual mau humor, chutando a neve de suas botas com frustração.

Os cavalos foram selados, e a comitiva se organizou em um movimento coordenado. O ranger das rodas da carruagem na neve e o som ritmado dos cascos dos cavalos preenchiam o ar, compondo uma sinfonia peculiar de inverno.

O dia arrastou-se com uma lentidão quase palpável, a paisagem ao redor tornando-se cada vez mais invernal à medida que avançavam. As árvores, cobertas por um manto pesado de neve, curvavam-se sob o peso. O ar permanecia imóvel e gélido, enquanto o sol, uma mancha tênue e distante no horizonte, oferecia apenas uma sugestão de calor, como um sonho longínquo do verão.

Até que finalmente avistaram os altos muros de Winterfell se erguendo à distância. A visão trouxe um alívio silencioso, pois todos estavam exaustos da longa jornada. Conforme se aproximavam, a fortaleza de pedra ficava mais visível, e Myrcella, espiando pelas pequenas fendas e janelinhas da carruagem, animava-se, apontando.

No pátio, toda a família Stark estava reunida, aguardando a chegada do rei e de sua corte. Eddard Stark estava à frente, com sua postura firme e semblante sério. Ao seu lado, sua esposa Catelyn, uma lady de longos cabelos ruivos e expressão acolhedora, segurava o pequeno Rickon pela mão. Seus outros filhos estavam alinhados ao lado deles: Robb, o mais velho, com a postura ereta e um olhar vigilante; Sansa, a segunda filha, ansiosa, ajeitava as dobras do vestido com dedos inquietos; Bran, ao lado de Sansa, balançava-se nas pontas dos pés, curioso para ver o que acontecia.

- Façam silêncio, eles estão chegando - disse Sansa, batendo o pé, claramente ansiosa para conhecer a família real.

- Mas...

Bran foi interrompido pelo pai. - Onde está Arya, Robb? - perguntou Eddard ao filho mais velho.

Robb deu de ombros, olhando ao redor, até avistar a irmã. Arya estava correndo em direção a eles, com o cabelo solto e selvagem. Vestia o mesmo vestido que a mãe havia escolhido para ela de manhã, mas com um detalhe peculiar: um capacete de ferro, provavelmente roubado da armaria. Ela avançava com passos decididos.

Catelyn suspirou e moveu-se para interceptar a filha, mas Eddard levantou a mão, detendo-a. - Deixe-a - disse ele suavemente.

Arya passou pelo pai e se colocou em seu lugar, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Rickon olhou para a irmã com olhos arregalados, enquanto Sansa murmurava algo sobre modos e comportamentos adequados. Bran riu, divertindo-se com a cena, e Robb lançou um sorriso de cumplicidade para Arya.

O barulho das rodas da carruagem e dos cascos dos cavalos ecoava pelo pátio de pedra. As portas da carruagem se abriram, e um a um, os membros da família real desceram. Primeiro, Robert Baratheon, robusto e com um sorriso largo, seguido por Cersei Lannister, com seu semblante frio e majestoso. Logo atrás vinham Lyanna, Joffrey, Myrcella e Tommen, com olhares expectantes.

- Bem-vindo a Winterfell, Vossa Graça - disse Eddard, ajoelhando-se diante do rei, seguido por toda sua família.

- Levante-se, Ned - respondeu Robert, puxando o amigo para um abraço caloroso. - Faz tempo demais.

Eddard abraçou seu velho amigo, e trocaram insultos como sempre acontecia em seus tempos de guerra, antes do Baratheon ser rei. O Stark apresentou sua família à Vossa Graça.

Robb, com sua postura sempre cortês, avançou em direção a Lyanna. O jovem estendeu a mão robusta. Hesitante, a princesa colocou a sua delicadamente sobre a dele. Ele a apertou, sentindo a suavidade contrastante, abaixando-se e levando-a aos lábios. O beijo foi breve, um toque sutil, mas que fez a garota sentir um turbilhão em seu âmago. Ela notou o modo como ele levantou os olhos azuis, refletindo o gelo daquelas terras que os primeiros homens pisaram antes deles, mantendo-os fixos nos dela.

- É uma honra conhecê-la, Vossa Alteza - disse ele, sua voz profunda e sincera reverberando na quietude ao redor deles.

Lyanna, perdida por um momento naquele oceano azul, sentiu o calor subir por suas bochechas ao ser pega encarando. Agradeceu internamente que o frio escondia seu rubor. - O prazer é meu, Lorde Robb - respondeu ela após um breve momento, sua voz quase inaudível para as pessoas ao redor deles.

O rei, ainda conversando com Ned, olhou ao redor. - Eu quero vê-la.

Cersei interveio rapidamente, a preocupação fingida evidente em sua voz. - Robert, estamos há um mês viajando sem cessar. Deveríamos descansar primeiro.

Robert ignorou as palavras da esposa. - Eu disse que quero vê-la, esposa. - Ele fez um gesto brusco, indicando que Eddard o guiasse em direção às criptas.

O lorde lançou um olhar de desculpas para Catelyn antes de acenar para que Robert o seguisse. A rainha bufou frustrada, mas não tinha escolha senão permitir que o rei seguisse com sua vontade.

Enquanto os dois homens caminhavam para a entrada da velha cripta, Lyanna ficou observando o pai. Ela sabia da história por trás de seu nome, da mulher que havia conquistado o coração do rei. A conexão que seu pai mantinha com aquele lugar e aquelas memórias era algo que ela ainda tentava compreender.

Dentro das criptas, Robert passou por cada uma das estátuas dos Starks, até parar em frente à de Lyanna Stark, o rosto da estátua exibindo uma serenidade que contrastava com a dor nos olhos do rei. Ele ficou ali, em silêncio, por um longo momento antes de falar. - Ela era tudo para mim, Ned. E eu nunca a esqueci.

Eddard assentiu, olhando para a estátua de sua irmã. - Sei disso, Robert. Todos sabemos.

Robert respirou fundo, sua voz agora mais firme. - Você já deve saber o porquê de minha vinda até aqui. Jon Arryn morreu e o meu conselho está perturbando minha mente com a nomeação da próxima Mão. E só existe uma outra pessoa viva em quem eu confie minha vida e meu reino.

- Eu sei, Robert, mas não sei se posso atender às suas expectativas, se posso deixar o Norte e meus filhos. Catelyn jamais me perdoaria. - Ned disse, sem coragem o suficiente para olhar o velho amigo nos olhos.

Robert virou-se para encarar Eddard, sua expressão endurecendo, olhos ardendo com a determinação de um soberano. - Eu não vim até o fim do mundo só para ouvir desculpas, Ned. Você vai para Porto Real comigo. Esse é o seu dever, tanto quanto foi lutar ao meu lado na Rebelião. A segurança do reino depende disso. Do contrário, não sei em quem posso confiar.

O silêncio entre eles se aprofundou, preenchido pelo eco distante das lembranças e promessas quebradas. Ned sabia que não tinha escolha.

- Muito bem - ele finalmente disse, a voz baixa. - Eu serei sua Mão, Robert. Pelo reino. E por Lyanna.

O rei assentiu, a tensão aliviando-se um pouco. - Por Lyanna - ele repetiu, suavemente. - E pelo futuro de todos nós.

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