Capítulo 3

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Tudo só piorou entre minha mãe e eu. Ela passou a ser meu pai, agressiva, reclamona.

Eu havia começado a cuidar de casa, já que ela não fazia mais isso. Aprendi a fazer refeições fáceis, assim não dependeria mais dos macarrões instantâneos. Lavava minhas roupas e as delas, varria e passava pano. Era tudo meia boca, mas melhor que deixar a casa se tornar um lixão. E o que eu ganhava em troca? Ao menos duas vezes no mês ela reclamava de qualquer coisa aleatória e me batia. 

Começou com tapas, foi para chineladas, então veio os cintos, e por fim as alças de ferro de suas bolsas de festa. Eu ficava roxa, vermelha, com leve ferimentos, tremendo, então meu choro passou a ser minha música de ninar.

Eu já não era mais tão criança a esse ponto. Tinha cerca de oito ou nove anos, sem amigos de verdade, e podia ir para onde queria e fazer o quisesse, já que minha mãe não ligava muito para mim. Tudo que ela queria era não ser chamada na escola ou realmente lidar comigo.

Aos fins de semana ela sumia. Saia as sexta, às vezes às quintas, dizendo que ia trabalhar e voltava apenas na segunda após o trabalho. Eu já não sabia qual trabalho era, porque depois do supermercado, ela passou por alguns, todos trabalhos perdidos devido o álcool, já que ela se atrasava muito, e acho que talvez ia trabalhar bêbada.

Eu não me importava dela sumir no fim de semana. Aprendi a pegar dinheiro da bolsa dela, então sempre tinha como comprar comida, caso não tivesse nada nos armários, o que era frequente, e também eram dias que eu não precisava me preocupar qual seria o humor dela ao chegar em casa, temendo sem saber se iria apanhar ou não.

Já estava habituada a essa rotina, feliz com ela até. Como é incrível como uma criança consegue enxergar coisas boas em momentos tristes. Talvez seja o jeito de negar a realidade, de não se tornarem adultos antes da hora.

De toda forma, meus momentos felizes acabaram por um tempo. Minha mãe chegou uma tarde com um homem, anunciou que era namorado dela. Ele parecia um pouco mais novo que ela, e apertou minha bochecha quando ela nos apresentou.

Seu nome era Miguel. Latino, sempre usando couro e tinha várias tatuagens. Ele tinha um sorriso bonito, eu gostava de o ver sorrir, e ele fazia isso muito. A maior parte de suas palavras eram gracejos, sempre piadinhas na ponta da língua. Ele era legal comigo, trazia doces sempre que ia em casa, talvez fosse uma forma de me compensar por ter que ouvir os gemidos altos da minha e o barulho da cama batendo contra a parede. Pelo menos ela passava mais tempo em casa, havia parado de beber tanto, e voltou quase a ser a mulher amorosa da minha primeira infância. Cozinhava sempre que Miguel estava em casa, limpava a casa com esmo, e eu ganhava afagos na cabeça, beijos carinhosos e algumas vezes ela penteava meu cabelo e dizia que eu era sua menina preciosa.

Mas Miguel durou pouco. Não sei o que aconteceu entre os dois, mas ele simplesmente parou de aparecem em casa, e a rotina da minha mãe voltou a ser distante. Quando perguntei a ela sobre ele, recebi um "Cuide da sua vida" como resposta.

Isso se repetiu algumas vezes mais. Orlando, Roberto, Augusto, Arnaldo, Big Gordo (eu nunca soube o nome real dele) e mais alguns outros. O padrão era o mesmo: Mamãe simplesmente aparecia com eles em casa, dizia que era seu namorado, e então ela era novamente uma dona de casa assídua e uma mãe amorosa. Eu tinha que lidar com seus gemidos, com um homem estranho em casa, às vezes um que me dava atenção e tratava como filha, outros que me davam dinheiro ou doce e pediam para eu ir dar uma volta, ou sair de vista.

Estava acostumada ao ritmo das coisas, cuidava da minha vida e sabia que, seja lá qual homem surgisse ali, não duraria mais que alguns meses e então sumiria de nossas vidas de uma hora para outro, pois era assim, quando eu percebia, já não via o homem da vez há algum tempo, e como aprendi depois de Miguel, eu não perguntava da minha mãe o que havia acontecido eles.

Eu estava feliz por as coisas serem assim, até Marconi entrar em casa com minha mãe em uma tarde. Ali eu não sabia, mas minha vida mudaria completamente.

As Gotas da ChuvaOnde histórias criam vida. Descubra agora