Fecho os olhos por um momento, mergulhando um pouco mais na banheira, sentindo um arrepio pelo corpo, ou acho que foi um arrepio, eu não estava muito ligada a meu corpo exatamente, o latejar em meu corte era quase inexistente, minha mente enevoada com as lembranças, a mais amarga de todos agora. E embalando o som dela tinha as gostas da chuva que faziam barulho no telhado, e a goteira que encharcava o chão do banheiro.
Marconi foi o último namorado da minha que conheci. Como os outros namorados dela, os dois simplesmente chegaram uma fim de tarde em casa, de mãos dadas, rindo. Mamãe me apresentou como a presiosa filha dela, me beijou na cabeça e afagou meus cabelos.
- Ela é minha bebê - disse minha mãe.
- Sua bebê é muito linda - disse Marconi me olhando com um sorriso.
Ele era alto, forte, de cabelos escuros na altura dos ombros, um rosto bonito com um bigode, mas se vestia de forma brega. Camisa de botão com os dois botoes abertos, revelando um pouco dos pelos do peito, uma corrente dourada com um crucifixo pendurado, a calça era camurça roxa e sapatos de bico fino. Mas nada disso era pior que o olhar animado dele na minha direção. Eu não percebi o que aquilo significava na hora, era só uma garota de onze anos.
Minha mãe nos deixou a sós na sala e foi preparar um lanche. Marconi sentou do meu lado, mas não tão perto, apenas seu braço ficou bem aberto, a mão próxima demais do meu ombro sobre o encosto do sofá. Olho de relance pra ele, tentando entender que tipo de namorado ele seria, um dos que me daria dinheiro para sair de vista, ou dos que seriam banaca e ficariam me dando presentes e fingindo ser meu pai. Ele não era novo, devia ter a idade da minha mãe, um pouco mais, então chutei que seria a primeira opção. Ele não iria querer uma garotinha por perto enquanto fodia minha mãe no quarto.
- Quantos anos você tem, Lucila? - ele perguntou.
- Onze - respondi. Meu aniversário tinha sido há poucos meses. - E pode me chamar de Luci.
Eu queria ser legal com ele, era mais fácil assim de conseguir um trocado, mas ele sorriu, assentiu com a cabeça, me analisando, parecendo aprovar o que via. Eu era magrela, cabelo encaracolado e claros, na escola me chamavam de cotonete às vezes.
- Uma mocinha já, então - comentou ele.
Fiquei sem saber o que dizer ou como reagir. Eu não tinha tido minha primeira menstruação ainda. Na verdade, nem sabia como isso funcionava naquela época. Minha mãe nunca teve uma conversa comigo para me preparar para o que viria no futuro. Eu sabia da existência do sexo por causa dos gemidos dela. Cheguei a espiar pela fechadura da porta e achei uma coisa completamente horrível, minha mãe de quatro e seu namorado socando ela por trás. Aquilo me explicou porque ela gritava tanto.
Sou salva de falar algo, ou do que seja lá que poderia rolar mais a frente, quando minha mãe aparece na porta da cozinha perguntando de Marconi como ele queria seu lanche, algo que não perguntou a mim.
Ele nunca me deu dinheiro, ou doces ou qualquer coisa, sempre que ele ia em casa, sorria para mim, sentava a meu lado no sofá se eu tivesse vendo TV, ou me seguia com o olhar para onde eu passasse. Foi preciso apenas algumas semanas para eu saber que não suportava ele, então passei a evitar estar em casa quando ele estava lá.
Mas isso não era o suficiente, pois ele começou a levar minha mãe e eu para comer fora. Tentei me negar, mas minha mãe me obrigava a ir, dizia que eramos uma família, que eu tinha que ser uma boa menina e comer com eles, que Marconi poderia ser meu novo pai. Eu não queria ele como meu novo pai, não queria ele na minha vida, mas de toda forma, eu não podia exigir nada, então ia para os jantares.
Marconi me comprava milkshake, deixava eu escolher o quisesse, em troca? Bem, ele afagava minha cabeça, pegava minha mão, me chamava que coisinha linda. No começo era lisonjeiros, ainda que me incomodasse um pouco.
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As Gotas da Chuva
RomansaLucila não teve uma vida fácil, e durante um fim de tarde chuvoso ela relembra tudo pelo que já passou.