Capítulo I - "Marcas permanentes"

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Os carros que passavam próximos a ponte de travessia que interliga as duas cidades, deixavam os ouvidos do ex - advogado dolorido. O barulho de seus motores e o som das buzinas naquela avenida se misturavam com os pensamentos sombrios que afligiam sua mente perturbada.

Esse era um "daqueles dias", como as pessoas normais gostam de chamar, o problema é que para ele, já tinha se tornado rotineiro que todos os dias seriam "aqueles dias". Seus surtos vinham cada vez mais fortes com o passar dos anos e nem mesmo a terapia estava ajudando, chegando em um nível que graças a essa estranha vontade do seu cérebro de fazê-lo enxergar coisas que não existem, seu emprego ir para o saco, em plena rede nacional. Já estava com o aluguel atrasado há pelo menos um mês, se não pagasse nesse, seria despejado. Todos os seus relacionamentos tinham acabado ou não se mantinham e sua própria família não queria manter contato por o considerarem uma maldição e depois daquele vídeo que viralizou em todas as redes sociais, de um de seus "surtos", sequer conseguia imaginar um cenário que pudesse reatar laços com qualquer um de seu passado.

Levantou a cabeça e no mesmo instante em que o fez, conseguiu observar alguém parado no meio da estrada. Os carros a atravessavam, como se essa pessoa não existisse, mas ele conseguiu guardar bem suas características físicas antes de continuar com sua caminhada. Seus cabelos eram tão brancos quanto a lua prateada que brilhava no céu e iluminava aquela noite estrelada e seus olhos eram vermelhos como sangue, as roupas pareciam antigas, mas muito bem preservadas e aquela entidade que ele via no meio da rua, não ousou lhe direcionar o olhar para ele.

Essa era a vida de Hiromi Higuruma, um homem que não tinha mais nada a perder e que desde a adolescência era atormentado por alucinações visuais, em sua maioria, de pessoas mortas.

Não manteve contato visual com aquela figura estranha que ele imaginava que seu cérebro estava projetando para zombar de sua cara, como sempre fazia nos piores momentos. Mesmo que quisesse ser positivo, como sua psicóloga dizia para que ele fosse todos os dias, era impossível enxergar um cenário onde a morte não parecesse a melhor das opções agora. O que mais perderia? Não tinha mais nada em terra e não acreditava no inferno.

Foi por esse motivo que naquela volta de seu antigo trabalho, Higuruma resolveu ir pela estrada da ponte, onde ninguém se arriscava a passar se não fosse de carro, a não ser que estivesse planejando atentar contra sua própria vida. Ninguém o impediria de qualquer forma, não é como se alguém fosse sair de dentro de seu próprio carro para ajudar um desconhecido, já não existiam assim tanta almas bondosas naquele mundo, no máximo seu corpo seria encontrado boiando até as margens da água pela manhã.

Quando cansou de andar, aproximou-se das grades de proteção medianas da ponte e com as mãos sobre ela, olhou para baixo e sentiu o frio gélido da noite bater contra suas pálpebras. Era tão alto quanto se jogar de um prédio de sete andares e naquele frio de começo de inverno, a água devia estar congelando, se não morresse afogado ou pela queda, morreria de hipotermia.

Antes de tomar aquela decisão, se afastou das grades por um momento e agarrou seu celular, precisava de algo para lhe dar mais coragem de pular, a caminhada o tinha feito perder toda aquela angústia esmagadora que atormentava sua alma desde seu nascimento e esse era um ótimo trabalho para as redes sociais executarem. Indo dali para uma delas, Higuruma caiu imediatamente em uma das notícias do julgamento que tivera há algumas poucas horas antes de ser demitido. Nesse vídeo que viralizou e se tornava motivo de chacota, principalmente em páginas de fofoca, com edições toscas e várias pessoas online, lhe chamando de fracassado ou comentando que iam preferir morrer a ter o seu problema, nessa gravação, Higuruma tinha uma de suas "crises".

Por algum motivo sua cabeça tinha achado que era uma boa hora para criar uma mulher morta e deformada atrás do juiz daquele tribunal, o problema não era só ele ver aquelas coisas e sim as encarar por tempo demais. Manter muito contato visual, tornava a alucinação mais vivida, como se ela o percebesse e suas ondas cerebrais fizessem algo irreal, o enxergar como uma ameaça e até a dor infligida por elas ter um impacto em seus nervos. Quando aquela mulher o percebeu, Higuruma entrou em pânico, mas nos vídeos, mais parecia que ele estava gritando e chorando para o nada, implorando por sua vida e pedindo para que ela se afastasse.

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⏰ Última atualização: Jul 23 ⏰

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Marcas do amor - HigonamiOnde histórias criam vida. Descubra agora