A escuridão da noite envolvia o hospital como um manto pesado. Faye se afastou lentamente do terraço, sentindo os ecos da conversa com Yoko pesando em seu coração. Ela não sabia o que fazer com as emoções que a jovem artista havia despertado. Descer as escadas pareceu uma tarefa monumental. Depois de ter passado tanto tempo em um mundo que parecia tão isolado, agora tudo parecia mais complicado.
Ao voltar ao seu quarto, Faye fechou a porta com força, como se quisesse trancar não apenas o mundo exterior, mas também os sentimentos confusos que dentro dela se aglomeravam.
Sentou-se na beirada da cama, a luz opaca da lâmpada lançando sombras dançantes nas paredes brancas e frias.
“Eu não posso deixar isso acontecer,”- murmurou para si mesma, suas palavras repletas de angústia.
Mas o rosto de Yoko não saía de sua mente.
O brilho nos olhos da artista, o jeito como ela falava sobre a beleza nas coisas simples, mesmo quando a dor era uma constante em suas vidas.
Faye se levantou apressada e começou a andar pelo pequeno espaço do seu quarto.
“Não posso me permitir isso,”- repetiu, como um mantra, buscando consolo em sua própria voz.
A noite passou lentamente, e a insônia a cumprimentou como sempre. As horas se arrastavam, e, mesmo com os olhos pesados de cansaço, Faye decidiu que aquelas palavras de Yoko não teriam o poder de mexer com ela. Contudo, na sua mente, o tormento se tornou um eco, uma dança de incertezas que não poderia ignorar.
Finalmente, o sol começou a nascer, e com ele veio a luz da manhã.
Faye se levantou e se arrumou, colocando a mesma fachada de sempre. Porém, ao sair do quarto, seu olhar foi atraído mais uma vez para o terraço. O local onde um dia desejou escapar da dor parecia agora um refúgio de confusão. Com hesitação, ela decidiu voltar.
Quando Faye pisou no terraço, viu Yoko ali, novamente com seu chão coberto de tintas e pincéis, perdida em sua arte.
Haviam poucos minutos antes do café da manhã, e algum sentimento inexplorado a puxou para mais perto.
“Você de novo,”- disse Faye, tentando manter o tom indiferente.
Yoko levantou o olhar e sorriu, sem saber o quanto aquele sorriso poderia iluminar a escuridão da mente de Faye.
“Faye! Você voltou. Espero que esteja pronta para uma nova paleta. A luz da manhã aqui é incrível!”- Ela gesticulou para uma tela em branco que estava à sua frente.
Faye hesitou, mas o convite parecia tão genuíno.
“Não sou boa com pinturas,”- falou, tentando desviar o assunto.“E não quero me envolver nesse tipo de coisa.”
Yoko inclinou a cabeça, suas sobrancelhas se unindo em uma expressão de empatia.
“Não precisa ser uma artista maravilhosa. Às vezes, é só sobre a forma como você se sente no momento. A arte não é apenas sobre ser bonito, é sobre expressar o que está dentro de nós.”
A franqueza da artista tocou novamente as paredes do coração de Faye, mas, como sempre, ela se armou.
“Há muito dentro de mim que não quero compartilhar,”- disse.
“E tudo bem,”- Yoko disse.
“Nem todas as coisas precisam ser ditas. Só... lembre-se que você não está sozinha nessa. Pode parecer que está, mas todos nós temos nossas batalhas. Acha mesmo que eu me sinto bem aqui?”- Yoko gesticulou em volta, e Faye pôde ver nas palavras da garota uma fragilidade que ela ainda se recusava a reconhecer em si mesma.
Silêncio.
O vento sussurrava entre as folhas, trazendo um misto de frescor e desgosto.
Faye queria afastá-la, fechar a porta novamente, mas o que a impedia era algo que ela não entendia. Aquela conexão, embora tênue, ficou inquieta, pulsando entre elas.
“Por que você está aqui, Yoko? Eu não conheço você. Você não deveria estar aqui por conta de algum parente que você ama?”
A percepção de que Yoko também poderia estar enfrentando a dor a incomodava.
A resposta veio numa onda de sinceridade.
“Eu estou aqui por mim mesma. Por causa da minha própria luta. Mas isso não significa que devemos nos perder por conta disso.”
O olhar de Yoko estava fixo em Faye, um tipo de determinação que a fazia se sentir vista, e isso a apavorava.
“Posso perguntar algo que pode ser meio invasivo?”- Yoko começou, hesitante.
“Você já pensou em por que está aqui? O que realmente quer fazer?”
Faye sentiu uma onda de irritação subindo, mas, em vez de afastar Yoko, algo dentro dela quase quis responder.
“Eu... eu só quero que isso acabe. O que você poderia entender sobre isso?”- disse, a raiva esboçando os contornos do seu rosto.
Yoko, ao invés de se abalar, fixou o olhar em Faye com um misto de compaixão e firmeza.
“Eu entendo muito mais do que você imagina. Mas também aprendi a apreciar cada instante. Se eu soubesse que teria apenas mais seis meses, não passaria os meus dias pensando em quando tudo acabaria, mas aproveitando o que tenho. A vida é feita de pequenos momentos, Faye. E você merece vivê-los.”
Aquelas palavras acolhedoras quase aniquilaram as defesas de Faye. O sorriso de Yoko, que antes irradiava esperança, agora trazia uma melancolia que foi como uma lâmina cortante. Embora quisesse se afastar, havia uma teia invisível a ligando à jovem artista, uma conexão embriagante e perigosa.
“Eu não posso,”- Faye disse, a voz embargada.
“Não posso amar nem me deixar amar. Não posso fazer isso com você.”
E as lágrimas começaram a escorregar por seu rosto, uma tempestade interna que ela não sabia que existia.
Yoko aproximou-se, mas não tocou em Faye.
O espaço entre elas carregava uma mistura estranha de dor e entendimento.
“Você acha que a dor te impede de amar? Às vezes, a dor é o que nos lembra do que é importante. Não devemos ter medo dela, mas sim aprender a dançar com ela.”
Faye olhou para Yoko, e por um breve momento, viu uma alternativa à sua solidão, uma centelha de esperança.
Mas a ideia de que esse contato pudesse ser uma armadilha só a fazia recuar ainda mais.
“Saia da minha vida. Por favor. Não estou pronta para isso,”- Faye implorou, e a súplica carregava seu desespero.
Yoko apenas assentiu, seu sorriso agora mais triste.
“Eu não vou embora, Faye, mas eu entendo. Eu só espero que, um dia, você se permita sentir.”
Assim, Faye se afastou, seu coração apertado como um punho cerrado.
O desejo de amar a consumia, mas o medo da dor que isso poderia causar era maior.E, enquanto a noite caía mais uma vez, uma certeza terrível se estabeleceu:
Yoko era um espírito livre, e Faye, em sua prisão emocional, estava apenas começando a entender o que se perdia ao não se permitir amar.
“Até logo, Yoko,”- disse Faye, tentando controlar a tremedeira em sua voz.
Já não importava se os dias fossem contados. O que importava era o tempo que perderia se continuasse a se afastar.
As palavras dela pairaram no ar, uma despedida não planejada que pesava como chumbo no coração.
Faye se afastou, deixada para enfrentar a escuridão que parecia interminável, enquanto Yoko permanecia ali, delicadamente segurando um pincel e sonhando com o que ainda poderia ser.
![](https://img.wattpad.com/cover/373695463-288-k24269.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
Pinceladas de uma vida
Roman d'amour⚠️ATENÇÃO⚠️ ⚠️CONTÉM GATILHOS DE DEPRESSÃO/SUICÍDIO⚠️ Faye tem apenas um ano de vida devido a uma doença terminal. Desesperançada, ela acredita que seus dias restantes serão sombrios e solitários. No entanto, sua perspectiva muda radicalmente quando...