A luz amarela do abajur acende e apaga. Acende. Apaga. Estou sentando na poltrona, esperando. Acende. Apaga. Minha cabeça dá voltas e voltas, vários cenários surgindo. Fragmentos de memória, do passado. Merda. Meia noite em ponto. Não consigo dormir. Toda noite o passado retorna, levando minha paz, sugando minhas forças. Dois anos nesse inferno, dois anos tentando sobreviver. Todo dinheiro, poder e fama tem qualquer relevância na minha vida. Não se compra o tempo ou que se perdeu. A melancolia de viver uma meia vida. whisky. Cigarro. Tarja preta. Minha sequência, não necessariamente nessa ordem. Eu só quero esquecer, por algumas horas quero ter a mente livre.
Abro os olhos e meus pensamentos se desviam para o dia, a luz do início da manhã. Deixando o pensamento de lado, como faço quase todo dia, saio da poltrona e encontro no closet alguns moletons recém-lavados. Lá fora, um céu pesado promete chuva e hoje não estou afim de me molhar na corrida. Sigo para minha academia no andar de cima ligo a tevê no notíciario matinal de negócios e subo na esteira. Não tenho nada além de reuniões, embora vá encontrar meu pai mais tarde no escritório para uma conversa de urgência. Afonso Almonte, meu pai, é o homem mais honrado que conheço. Foi meu mentor, me ensinou tudo que sei sobre negócios e administração de empresas. Desde do 16 anos, eu e meu irmão atuamos em áreas diferentes nos negócios da família. Marcos é advogado, eu sou o CEO.
Talvez eu deva desmarcar. É talvez. Paro na esteira ofegante, e sigo até o chuveiro para começar mais um dia monótono.****
-Amanhã - resmungo dispensando José Morrone, que está parado na entrada do meu escritório.
- Vai no encontro essa semana?
José sorri com suave arrogância, sabendo que repúdio esses encontros. Um bando de interesseiras que abrem as pernas acreditando que vou ficar apaixonado em bocetas. Bobinhas.
Fecho a cara para ele quando vira as costas e sai. É como se esfregassem sal nas minhas costas a cada encontro, todas iguais, fazem o mesmo joguinho de sedução. Apesar das minhas tentativas em extravasar as frustrações, é para isso que vou nesses encontros casuais. É uma merda. Embora eu odeie admitir isso, sexo não tá resolvendo meu problema.
Enquanto olho pela janela para a silhueta de Seattle, o tédio famíliar se infiltra na minha consciência sem ser chamado. Meu estado de espírito reflete o tempo: monótono e cinza. Meus dias vão se misturando indistintamente, e agora, no confinamento do meu escritório, estou indócil. Eu não devia me sentir assim, não após engolir tarja preta. Mas me sinto.
Franzo o cenho. A verdade é que a única coisa que vem prendendo meu interesse recentemente é minha decisão de enviar navios cargueiros para o Sudão. Isso me lembra que José deve me responder com números e logística. Por que ele está demorando com isso? Verifico minha agenda e estico o braço para pegar o telefone.
Droga. Tenho que aguentar essa visita inesperada do meu pai. Por que cargas-d'água aceitei isso? Ele é o meu pai, o presidente majoritário. Quando tudo deu errado ele estava lá, ele ouviu tudo, viu tudo. Graças a ele não perdi o controle, estive por um fio, na ponta do iceberg. Dois anos que não volto a Bratford, prometi nunca voltar. Nem mesmo minha família é motivo suficiente. É doloroso não ter eles por perto, não vejo minha mãe há seis meses. Não posso voltar. O telefone toca.
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QUANDO VOCÊ CHEGOU
RomanceSebastian retorna para Bratford Canadá, após dois anos. Tendo que lidar com as lembranças do passado e possível doença da mãe. Um homem frio e calculista que sempre tem tudo do seu jeito, terá sua vida monótona virada do avesso ao atropelar Esther B...