CAP1| Tomodachi

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"Perdida em pensamentos, recordo os olhos doces que me tentaram naquela manhã ensolarada."
       - Harelyn.

°˖❀˖°

O ar impregnado de contaminação já se entranhou em minha rotina noturna. Os outros funcionários alegam que a fumaça, com seu gosto adocicado de frutas misturadas ao tabaco, não alcança a parte da cozinha, mas ainda consigo sentir o cheiro da essência, mesmo que levemente. É quase enjoativo. Sou a única estudante que trabalha neste estabelecimento, e isso se revela negativo em todos os sentidos. Um lugar que disfarça sua podridão com um ambiente luxuoso, mas todos nós sabemos que a Parlor House está envolvida em mais sujeira do que qualquer outro bordel que exista no Japão.

Aos quinze anos, tornou-se necessário para mim ser garçonete neste lugar, deslizando entre mesas e sorrisos forçados, envolta em um véu de aromas enganosos. Não me importo com o ato de fumar; sei que essa prática não é da minha conta. No entanto, em um ambiente fechado, a névoa perfumada me envolve como um sussurro envenenado, do qual torço para que o sufocamento chegue ao fim.

Essa é a minha única reclamação: o odor dos cigarros que às vezes se intensifica. Entretanto, eu suportava bem a noite até o final do expediente, contanto que não caísse no sono. Mas isso é apenas uma das consequências da minha rotina. Sabia que aquele gesto inicial de um simples bocejo poderia desencadear eventos do passado, que voltariam a se repetir mais uma vez e, em certo momento, poderiam acabar virando uma enorme bola de neve.

— Harelyn…

O som da água fluindo é tão relaxante. A cena que presencio é a de caminhar sobre a grama, com um pequeno riacho seguindo seu curso no rio. Ao me abaixar, molho minhas mãos na água aquecida pelo céu claro que vejo; na realidade, meus olhos ainda estão fechados, mas o tato quente da água me relaxa de forma única. De repente, sinto um toque frio alcançando meu ombro. De forma inesperada, aquilo me trouxe de volta à realidade. Eu ainda estou na cozinha, lavando copos. E tudo fez sentido quando percebi que apenas divagava em um cochilo.

— Harelyn!!

— T-tô acordada! — exclamei, alarmada, mal percebendo a alteração na minha voz.

Um alívio invadiu meu ser quando reconheci a voz feminina que soou atrás de mim. Era ela, uma das poucas pessoas que tornava minha vida suportável.

Virei-me para olhá-la. Como sempre, Naori Saito exibia uma expressão ousada. Seus lábios, tingidos de um vermelho profundo, formavam um bico indiferente, como se se esforçassem para conter palavras que queimavam por dentro. Eu sabia que aquilo não duraria muito; seus olhos castanhos, agora arregalados, refletiam surpresa e intensidade diante da minha reação recente. Eu não costumava gritar, e isso me fez corar de vergonha, desviando o olhar para o lado. Mas Naori bufou e não conteve uma gargalhada, claramente se divertindo com a tensão que pairava no ar.

— Estou vendo — respondeu ela, com um sorriso debochado. — Estava quase saindo baba do canto da sua boca.

— Por que… está rindo? — As palavras saíram constrangidas, mas me mantive firme.

— Precisa tomar mais cuidado. Se fosse qualquer outra pessoa, você estaria encrencada — alertou-me, agora com um tom sério.

— Me desculpe, isso não vai se repetir — assegurei, tentando manter a compostura.

Contemplei uma cena parecida à de uma criança insatisfeita. Naori suspirou, desviando o olhar enquanto murmurava algo como: “Poxa, não precisa pedir desculpas.” Mas, como de costume, isso não durou muito. Logo, pude sentir seu olhar curioso fixado em mim, enquanto o meu, levemente cansado, se desviava timidamente.

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