Capítulo sem título 3

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 ''O CIRCO CHEGOU A CIDADE!''

- Grande bosta... É só mais trabalho - Falei olhando para a placa.

 Sou o palhaço de um maldito circo quase falido.

 Entrei no meu camarim para fazer a maquiagem e vestir minha roupa, um macacão azul claro com bolinhas um pouco mais escuras. Peguei um litro de vodca para esperar até minha hora.

 Costumava ser ''Bug, o magnifico palhaço azul'' fazia as piadas mais sujas e engraçadas para adultos e as melhores brincadeiras para as crianças, mas fui ficando velho e sem graça. Minhas piadas começaram a ficar repetitivas e estava sem ânimo para brincadeiras, comecei a ficar ranzinza como todo velho. Sentia fortes dores de cabeça e vomitava direto.

- Vamos Bug, sua vez - Era o apresentador - Ruunf... Ta cheirando a pinga! - Ele fala quando passo do seu lado. 

- É vodca.

 Entrei no palco com um copo de vodca, acendi um cigarro e parei na frente do microfone. 

- O QUE VOCÊ ESTA BEBENDO PALHAÇO? - alguma criança da plateia tinha gritado.

- Água do Diabo! - Falei aproximando a boca do microfone e dei uma tragada no cigarro.

 Dei uma olhada na plateia, devia ter no máximo umas 40 pessoas. Eu não estava com nenhuma vontade de fazer piadas. Senti náuseas 

- O que é que tem cem perninhas, mas não anda? - Olhei para todos e ninguém sabia responder - cinquenta crianças paraplégicas! 

 Ninguém riu e olharam com suas caras feias. 

- Ei você meu rapaz, já viu corrida de homem pelado? - apontei aleatoriamente para alguém

- NÃO!

- Então chegue mais cedo na casa de sua mulher - Alguns riram e pelo jeito ele ficou ofendido. Não me importo. 

  Tomei metade do copo de vodca e o derrubei no chão sem querer, ignorei.

- O filho pergunta para a mãe, mãe, o que eu vou ser quando crescer? E a mãe responde, Nada meu filho, você tem câncer. 

 Ninguém riu de novo e eles conseguiam ficar cada vez mais feios. 

- Acho incrível a capacidade vocês de ficarem mais feios a cada piada que eu conto.

 Alguns dele estavam indo embora e resmungavam.

- Ei! Não vão embora, me ensinem a ficar tão feio assim antes - dei uma ultima tragada no cigarro e o joguei no chão pisando em cima.

-Ei, Bug, já deu sua hora, volte logo para o seu camarim - Era o apresentador. 

- Adeus babac... - Nem terminei de falar e me ajoelhei vomitando, levantei, limpei a boca com a manga do macacão e voltei para o meu camarim. Abri outro litro de vodca.

- Bug, seu idiota, tivemos que devolver o dinheiro para alguns deles e estamos falindo por sua culpa - O apresentador cuspia enquanto falava. Estava extremamente nervoso

- Aê, foda-se, não me importo.

- SEU MONTE DE MERDA, QUERO QUE VOCÊ ARRANJE UM JEITO DE PELO MENOS ENCHER METADE DA PLATEIA.

- E VOCÊ QUER QUE EU FAÇA O QUE? SÃO TODOS IDIOTAS QUE NÃO ENTENDEM HUMOR DE VERDADE!

- Humor negro?

- É

- Está proibido de usar qualquer piada do gênero e se usar ou não encher pelo metade da platéia estará demitido, tem uma semana para isso.  

- Ah vai à merda!... Vou dar um jeito - Voltei para o meu litro de vodca e as náuseas ficavam cada vez mais fortes. 

 As dores de cabeça iam ficando cada vez mais forte durante a semana e vários outros problemas iam surgindo rapidamente. Pedi um aumento do prazo para lotar o circo, precisava ir ao médico e ele me deu até a última apresentação naquela cidade, então teria um mês. Nas primeiras duas semanas fui ao médico e descobri que estava com um tumor cerebral e ele ia piorando rapidamente. 

 Na terceira semana pensei no que ia fazer na minha, talvez última, apresentação. Na quarta e última semana espalhei vários cartazes, folders e convites pela cidade. Avisei em todos os mercados, lojas e bares. 

  Enfim o grande dia.

- AGORA! COM VOCÊS, BUG, O MAGNIFICO PALHAÇO AZUL! 

 Passei pelo lado do apresentador.

- Olha lá o que você vai fazer em - Ele sussurrou no meu ouvido.

- Vai ser o melhor espetáculo de todos. 

 Entrei em cena com meu cigarro, o copo de vodca e um sorriso no rosto. Tinha conseguido encher aquele lugar.

- Então... semana retrasada de-descobri que eu tenho c-câncer - Estava com dificuldade na fala. 

 Todos ficaram atônitos, principalmente meus colegas e companheiros de circo, não tinha falado para ninguém. 

- E é um t-tumor cerebral... r-resolvi que não vou me tratar... q-quero acabar come ele de uma vez - tomei um grande gole de vodca e traguei o cigarro - E e-essa v-vai ser minha ú-última a-apresen.. tação -suspirei- E s-sabem qual é o me-melhor jeito de acabar com um t-tumor?  

Tirei um revolver do meu bolso e apontei para minha cabeça. Ficaram todos assustados, até parece que nunca tinham visto uma arma antes. 

- Você o locali... za e o d-destrói - apertei o gatilho.

 Ouvi um não coletivo, já era tarde de mais. Aquela foi a minha última apresentação, a falência total do circo e a traumatização de centenas de pessoas. 


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