14 - minha esposa

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— POV: Renata

É incrível como um problema surge atrás do outro. Quando pensei que estava tudo resolvido, sem o Teddy ou qualquer pedra no caminho, lembro que o dia em que nossos filhos - er, os meus filhos e os de Cristal, separadamente - está chegando.

Esconder das pessoas ao nosso redor é uma coisa, mas esconder dos nossos filhos? É algo completamente diferente. É mais fácil omitir esse detalhe quando falamos no telefone, mas presencialmente... não sei o que vou fazer.

Não consegui esconder da Selena, mas ela é adulta e tem um talento especial para descobrir as coisas, principalmente quando se trata da minha vida. E, bem, ela nos flagrou no ato, então não tinha para onde correr. Aliás, ela e Cecília esconderam o "segredo" delas melhor do que eu e Cristal.

De qualquer forma, eu estou perdida. Sei que Cristal também está, apesar de não demonstrar tanto. Ela diz que não é difícil, que devemos apenas agir como sempre agirmos e que vai dar certo, mas nós duas sabemos que não é bem assim.

Nós mudamos bastante desde a última vez que as crianças estiveram na cidade. Naquela época, nós não flertávamos em qualquer oportunidade. Nós não nos beijávamos, nem dividíamos uma cama, nem usávamos alianças.

Eu até queria falar a verdade, mas que exemplo nós estaríamos dando? "Ah, crianças, a gente se beijava as vezes e acabamos bebendo tanto que tivemos a ideia de casar do nada, mas não pensem muito nisso." Não dá. É melhor manter em segredo até decidirmos como vamos lidar com a situação.

Fiquei com medo que Cristal iria querer se divorciar antes da chegada dos filhos, mas isso não aconteceu, o que me deixa pensativa. Cada vez mais parece que ela quer continuar com isso, apesar de não dar sinais claros. Mas é melhor não pensar no futuro e focar no agora, em que Cristal ainda é a minha esposa. Minha esposa, como eu amo isso.

- Acho que a Melissa vai ficar bem chateada por não termos mais a padaria — Cristal fala ao meu lado.

Gosto desses momentos que temos juntas, sem fazer nada específico, apenas ficar na fama e aproveitar a companhia uma da outra.

- Você já não tinha falado pra ela? — Eu pergunto.

- Tinha, mas acho que o impacto pessoalmente é maior né.

- Acho que sim — Eu falo — Quem sabe a gente não consegue fazer ela se interessar por corridas e ela vire "dona da garagem" igual era com a padaria.

- Duvido um pouco — Cristal ri.

- Não custa tentar. Mas por que você já tá pensando nisso? As crianças só vem daqui a três semanas.

Cristal olha para mim com uma expressão que eu não consigo decifrar, mas é como se eu tivesse falado algo de errado.

- O que foi? — Eu pergunto.

- Renata, eles chegam na sexta — Cristal fala.

- O que? Não vem não- hoje é quarta, não tem como eles virem na sexta.

- Renata — Cristal repete.

- Puta merda, eles vem sexta?

- Melhor se preparar.

Três semanas a menos para me preparar psicologicamente. Talvez a situação esteja um pouco pior do que eu imaginei.

— POV: Cristal

Esconder detalhes da minha vida é praticamente a minha especialidade. Escondo sentimentos, acontecimentos, relacionamentos... não é nada que eu já não esteja acostumada. Sei que os meus filhos merecem saber do que acontece na minha vida, mas é melhor assim. Contar para eles do casamento só me traria mais dor de cabeça e confundiria eles.

Por um lado, crianças podem ser mais fáceis de enganar, mas, por outro, eu tenho filhos bem insistentes, Melissa principalmente. Por sorte, Chiara ainda vai demorar uns dias para chegar. Ela é a mais velha então talvez saque as coisas mais rápido. Espero que eu esteja errada quanto a isso.

Estaciono o carro logo depois de Renata - decidimos vir em dois porque não parecia muito bom colocar alguma criança no porta-malas - e vamos até a entrada do aeroporto, onde as crianças já estão nos esperando.

Repito "vai dar certo" uma última vez na minha cabeça antes de abraçar os meus filhos.

Apresentamos para eles a Garagem, onde todas as meninas ficam mimando eles como se fossem herdeiros — Nicco particularmente fica muito feliz com o tratamento especial. Selena parece animada em apresentar o irmão para Cecília, o que Renata trata com naturalidade. Acho que ela sabe de algo que eu não sei. Guardo o momento na minha mente para questiona-la depois.

Por a Braba ser mais longe, decido leva-los ao hotel primeiro.

- Qual o seu quarto? — Bomani pergunta e eu aponto para a primeira porta — E o seu, tia Renata?

Havia esquecido desse pequeno detalhe. Mas... tudo certo. Amigas dividem quartos as vezes. É normal.

Renata olha para mim, um pouco perdida, e eu aceno para que ela relaxe.

- É o mesmo que o meu. Fica mais fácil pra trabalhar e... deixa mais quartos livres pros hóspedes — Eu falo.

- E por que vocês não compram uma casa então? — Bomani pergunta.

- Porque é... mais perto da Garagem — Eu explico.

Essa parte não é mentira. Meu objetivo sempre foi facilitar as coisas. Sobre a parte dos quartos... bem, eu poderia facilmente ter um quarto separado já que ainda temos vários vagas, eu só... não quero. Mas ele não precisa saber disso.

Convoco as meninas para me ajudarem a distrair as crianças e evitar que eles façam perguntas que possam nos comprometer.

Ver eles se divertindo assim faz com que eu perceba como sinto falta de ter eles aqui todos os dias. E ver a Renata brincando com eles... me afeta mais do que eu gostaria. Noah está junto com meus filhos como se fossem todos irmãos, e Renata fica de olho em todos sem nenhuma diferença de tratamento - além de apenas Noah chamar ela de "mãe."

Tento apagar os pensamentos que tentam invadir a minha cabeça e coloco as crianças nos seus respectivos quartos. Quando estou no meu próprio, Renata aperta meus ombros, aliviando a tensão e me chamando de sua mulher como já fez algumas vezes desde aquela viagem.

Com tudo isso, não consigo evitar pensar em como parecemos uma família feliz. Só que... não é desse jeito. Não é simples assim.

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OBSERVAÇÕES

     Bem vindos de volta, cocudinhos!

giorno-moretti - crisnataOnde histórias criam vida. Descubra agora