IV-Briga

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Após passarem a noite festejando, o grupo foi descansar pela manhã em uma hospedaria simples, mas bem receptiva. Dividindo os quartos entre as duas dezenas de beduínos, todos dormiram como pedras até o horário do almoço, quando o "relógio biológico" de Osundi o acordou para comer.

A barriga dele roncava e ele sentia um abismo profundo em seu estômago. Olhou em volta, e viu que seu primo Onissaim estava adormecido, além dos outros três companheiros de quarto. Cuidadosamente, o faminto acordou seu primo, sussurrando:

-Vamos atrás de comida.

O garoto, sonolento ainda, resmungou:

-Depois. Me deixe dormir mais um pouco.

-Preguiçoso - reclamou Osundi. - Por isso que és mais fraco e menos inteligente que eu.

Onissaim nem ligou para o insulto, e voltou a fechar seus olhos. Emburrado, o faminto saiu do quarto e resolveu almoçar sozinho.

A hospedaria estava relativamente lotada, e por causa do horário, a maioria dos hóspedes almoçava pelos corredores e mesas colocadas próximo a cozinha. E às vezes, um homem de meia-idade com roupas de lã marrom vinha e conversava um pouco com os presentes.

Esta figura humilde e ambulante era o dono.

Seu nome era Yodibo, que construiu aquela edificação de andar único de maneira confortável e simples. Ergueu aquilo há mais de uma década, contudo, o local era originalmente bem menor e Yodibo, na época, morou ali. Mas os anos se passaram e por motivos financeiros, transformou sua casa em uma hospedaria.

Plantas nos cantos, tapetes bordados e objetos com simbologia cultural ou religiosa compunham a decoração. Como o leito deve ter se tocado, sem muitos enfeites extravagantes, o local transmitia um ar de humildade e bondade.

Em suas andanças pela hospedaria, Yodibo ouviu vozes vindas do pátio traseiro, que não passava de um terreno arenoso mal cuidado, que não servia para nada, a não ser para crianças brincarem ou alguma reunião entre adultos que queriam ter mais privacidade e por isso faziam naquela área.

Olhando de relance por uma janela que ficava do lado da porta, viu 1o crianças. Por um momento, deu de ombros. "Devem estar se divertindo após almoçarem" e foi se afastando.

Até que ouviu uma voz gritando:

-Saí daqui, seu imbecil!

Outro exclamou:

-Ninguém te quer aqui!

Um terceiro adicionou:

-Vai irritar outra pessoa!

Retornando, Yodibo olhou pela janela, apoiando suas mãos na borda e ficou olhando o que estava acontecendo.

Ele percebeu que 9 meninos de idades entre 15 a 18 anos faziam uma roda em volta de um menino de treze, que os encarava como uma presa que foi cercada por uma matilha.

-Calem a boca de vocês! Eu só quero brincar normalmente com vocês! - tentou se defender Osundi.

Os nove riram debochados, e disse o primeiro que gritou:

-A gente disse que não te queríamos aqui. É um jogo de adultos.

-Desde quando brincar com madeira velha e correr desse jeito esquisito é coisa de gente mais velha?

Apesar de não terem entendido do que o garoto falava, os jovens se irritaram, e um deles ordenou:

-Vamos encher-te de soco!

Rodeado por eles, Osundi ergueu os punhos.

-Parem! Parem!- Yodibo pulou a janela e deu alguns passos em direção ao grupo.

Porém, parou ao ver o que ocorreu.

Com golpes rápidos e bem mirados, o beduíno nocauteava rapidamente os adversários. Embaraçados, os meninos tropeçaram um em cima do outro, o que causou um tumulto.

Furtivo, Osundi correu e passando por Yodibo, adentrou a hospedaria.

O dono o seguiu até ele pular e abraçar as costas de uma mulher que conversava com uma outra hóspede.

-Dumaiâ, fui atacado! - choramingou o garoto, que apesar da voz falhada, nem lacrimejava.

-Como assim? - a nômade indagou, confusa.

-Vai me dizer que se meteu em outra encrenca - Exugum censurou, colocando suas mãos na cintura.

-Exugum, deixo o menino - retrucou Ianmarê.

-Ele se mete em problemas e eu que sou tratado como...

-Vá fazer algo que valha a pena - interrompeu Dumaiâ, oferecendo um copo com água ao garoto.

-Peço perdão por chegar de maneira tão... deselegante - se intrometeu Yodibo. - Mas eu vi tudo.

O homem então contou detalhadamente o que ocorreu, e no fim do relato, os nômades não demonstraram surpresa alguma, e ao contrário do que o de meia-idade pensava, Ianmarê falou:

-Osundi, na próxima vez, não se meta desnecessariamente em uma confusão. Tu sabes o perigo que tens, então não seria bom a ninguém que transbordasse essa força incomum.

Yodibo, surpreendido pela fala da moça, resolveu que em outro momento conversaria com algum daqueles visitantes estranhos. 

A Travessia do Deserto (Fantasia-HistóricaOnde histórias criam vida. Descubra agora