V-Exugum

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Ao anoitecer, estrelas começaram a brilhar na imensidão escura do céu. A cidade, que na noite anterior estava alegre e barulhenta, agora, se encontrava tranquila e silenciosa, dando espaço ao coaxar dos sapos, o uivo da brisa e o canto das cigarras.

Na hospedaria, muitas pessoas foram dormir cedo, e poucas estavam despertas naquele horário noturno. Quase todos da tribo nômade estavam acordados, com exceção de alguns mais velhos.

Sentados no terreno arenoso, atrás da hospedaria, tomando chás e cafés, conversavam abertamente.

-Ainda bem que a velha Olojacá foi dormir - desabafou Kunaduwa, o neto da citada - Esses últimos tempos sua saúde vem dando uma piorada e ela anda ranzinza.

-Espero que morra logo - reclamou Ojelufã.

Kunaduwa fitou-o com um olhar inquisidor, e Ojelufã sentiu um arrepio paralisante passar por si.

-Não seja exagerado- disse Dumaiâ, a melhor amiga de Ianmarê. - É só uma fase. Daqui a pouco, ela estará melhor.

-Não sei. Minha avó está muito mal. Se ela passar desses dias, posso considerá-la sortuda.

Exugum pensou em dizer algo contra a irritante idosa, mas percebeu a aflição estampada no rosto de Kunaduwa. Optou por simplesmente ouvir enquanto bebia seu chá.

-Pelo caminho devemos consultar algum médico - falou Ibejé - Não será bom levarmos um doente conosco durante a viagem.

-Verdade - concordou Dumaiâ.

-Que assim seja feito.

Yodibo, se aproximou com canecas de madeira e as ofereceu:

-Querem beber café?

-Café? - estranhou Exugum.

-Sim. É um produto que veio de terras etíopes. Dizem que revigora suas energias.

Apesar de não ter entendido exatamente o que significava a afirmação, Exugum resolveu matar a curiosidade e provar daquela especiaria. Pegou uma caneca e bebeu tudo de uma vez. E no primeiro gole, se arrependeu.

-É quente demais - sua língua ardia e sentia um calor no seu sistema digestório.

-Bem feito - riu Ianmarê. - Me dê uma também, por favor, senhor Yodibo.

Ao mesmo tempo que os mais velhos da tribo bebiam o café, Osundi, acompanhado dos irmãos Onissaim e Loguro, se juntavam a algumas crianças e adolescentes de outras que se acumulavam para brincar no meio do terreno arenoso. Os três começaram a correr loucamente com as outras crianças, gritando e sorrindo.

Yodibo encarou aquela cena, e disse:

-Esses garotos tem muita energia para gastar.

-Ah, se tem - falou Ibejé - Não sabe como é difícil cuidar deles. Principalmente Osundi.

-Por quê?

-Ele é órfão. Seu nascimento foi tumultuado e seus pais morreram durante o parto.

-O pai e a mãe? - estranhou o dono da hospedaria. - Como assim?

-É meio complexo falar sobre isso.

-Ora, sou velho, mas não burro.

Todos riram, e Ianmarê afirmou:

-Podemos explicar tudo para ele. Esse senhor parece ser alguém compreensivo.

Ibejé olhou para o terreno, onde as crianças faziam uma roda, e cantavam canções e giravam:

-20 anos atrás, com exceção de Exugum e Olojacá, que já tinha 28 anos na época, todos aqui eram adolescentes animados e rebeldes. Nossa tribo era de dogon e vivia às margens do Rio Níger. Crescemos revoltados, apesar da forte crença religiosa que os mais velhos se esforçaram em colocar em nós. Os pais de Osundi, contudo, causaram o escândalo quando a moça disse que estava grávida.

-Quantos anos eles tinham? - perguntou Yodibo.

-Os dois tinham 16 anos. Os idosos deram duas escolhas: ou a mulher tirava o bebê, ou ambos eram expulsos da comunidade.

Baiaô, uma mulher de meia-idade de cabelos trançados, continuou a narração:

-Nós apoiamos os dois na decisão de não retirar o neném, e por isso, a gente foi expulso. Fomos até uma cidade de Benin, e ficamos por lá até o nascimento da criança.

-Que era Osundi... - deduziu Yodibo.

-Não - negou Exugum. - Era... eu- lágrimas escorreram de seus olhos, e um silêncio desconfortável tomou conta. - Minha mãe me teve com muitas dores, mas seu olhar nunca foi de ódio, sempre foi de carinho, apesar de saber que nunca mais poderia ter um filho.

-Ela se tornou infertil tão nova? - Yodibo ficou compadecido diante do choro de Exugum.

-Sim. Meu pai então fez um pacto com um orixá. Ele daria sua alma a ele, e em troca, sua esposa daria luz novamente. E assim foi feito. Quando eu tinha dez anos, minha mãe engravidou de novo, e meu pai morreu de uma doença desconhecida. Só que, quando Osundi veio ao mundo... mamãe morreu.

-Foi durante o parto. - acrescentou Dumaiâ - Acreditamos que o orixá enganou ao pai de Exugum e Osundi, e levou o espírito da mãe junto.

-Por isso, - concluiu Ianmarê, com um rosto sério - que não acreditamos em nenhum orixá. Eles só trouxeram mazelas a nós. 

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⏰ Última atualização: Aug 17 ⏰

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A Travessia do Deserto (Fantasia-HistóricaOnde histórias criam vida. Descubra agora