I-Os Wangara

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 Se você, leitor, conseguisse passar pelos povos do Magreb e Maxerreque, chegaria aos grandes reinos do Saara, que apesar de ser um deserto infernal, escondia essas maravilhosas terras que em tempos medievais, eram incomparáveis em beleza e riqueza.

Ao sul do Rio Níger, existiram três destacáveis reinos: Benin e Ifé, que ficavam no sudoeste, o Kanem-Bornu, que se estendia do Lago Chade até o sul da Líbia. Todas estas terras tinham uma espécie de aliança comercial, onde circulavam diversos produtos nas chamadas rotas transaarianas. De maior destaque, havia o Império do Mali que era governado pelo imperador chamado mansa. Estava localizado no norte do Rio Níger, e eram ricos de ouro e pedras preciosas.

No século XIV, o jovem Mussa se tornou mansa,pois o seu antecessor teve a ideia de fazer expedições em direção ao Oceano Atlântico, nunca retornando. e desde o começo de seu reinado, dizia que faria uma peregrinação a Meca, porque seguia a religião islâmica e tinha o dever de ir àquela cidade. E foi se preparando para sua grande empreitada através de guerras e conquistas de sociedades vizinhas.

Se espalhou pelo Vale do Rio Níger boatos e lendas acerca da riqueza do novo governante.

Enquanto isso, fazia um tempo desde que um clã misterioso havia se instalado na capital Ifé (do império de mesmo nome) e prosperavam com a venda de pó-de-ouro. Eles haviam vindo do norte da África e era de conhecimento público de sua amizade com o mansa Musa. Instalaram-se no centro da cidade, onde abriram uma espécie de pequena feira, que apesar do tamanho, sempre estava lotada.

Se autodenominavam Wangara, e faziam parte da etnia soninquê, que ninguém do Império conhecia. Corriam boatos de que aquele clã estava espalhado por toda a África e lucravam uma fortuna com o pó dourado. Muitos os respeitavam, e nas raras vezes que algum deles era avistado, conversas cessavam e todos abriam caminho.

Mas nem todos seguiam esse procedimento de "afastamento respeitoso".

Desde que eles haviam chegado, um pequeno grupo de beduínos que andavam somente em conjunto tinham feito um estreito laço de serventia com estes. Basicamente, os Wangara davam uma pequena quantidade de seus produtos para o grupo, e estes revendiam a preços acessíveis. Às vezes, quando aqueles beduínos voltavam de alguma viagem, faziam trocas com o clã.

E por causa daquela aliança, o pequeno Osundi se gabava com seus poucos amigos.

-Eles nos dão um pó amarelado brilhante, que segundo meu pai, vale bastante no Deserto - explicava o menino.

-Grande coisa - disse um outro garoto. -Eles ganham muito com isso, e oferecem a vocês como se fosse uma esmola para a sobrevivência do grupo.

Osundi sempre se irritava quando alguém dizia isso.

Tinha cabelo crespo curto, e assim como todos os moradores do Império de Ifé, era negro. Sua pele era tão escura, que ele podia muito bem usar isso como um argumento em uma discussão: "Ponha-se em seu lugar! Meus ancestrais eram mais negros que os seus, prova disso é a minha pele!"

Contudo, em contrapartida, era integrante daquele grupo humilde que se mantinha através de viagens exaustivas e que nunca parava em um lugar fixo. Em cada cidade em que paravam, ficavam em uma hospedagem por um tempo, e depois seguiam para a próxima localidade. Tinham sua origem de uma tribo dogon próxima ao Rio Níger. Osundi nunca os conhecera, pois quando nasceu, faziam duas décadas que o grupo abandonou a aldeia.

-Por que fizeram isso? - uma vez o menino perguntou quando tinha 5 anos.

-Isso o quê? - Ojelufã ficou confuso.

-Terem se afastado da tribo.

-Isso daí é algo que ainda tens pouca idade para compreender. O que posso te falar é que nós discordamos dos pensamentos daquela gente, e por isso, tivemos que deixá-los.

Mesmo com o passar dos anos e conhecendo mais o mundo, não entendia o mistério sobre a origem dos beduínos. Com 13 anos, sentia que não podia fazer nada sendo alguém tão impotente. "Queria eu poder ser como os Wangara" pensava às vezes.

Mas Osundi não imaginava que logo sua vida teria uma virada. E isso aconteceu num dia chuvoso de 1323, quando Ojelufã havia acabado de chegar todo encharcado na hospedaria onde o grupo estava instalado.

-Onde estava? - ralhou Exugum, o mais forte.

-Me encontrei com um mensageiro dos Wangara. Ele veio me dizer que desejam falar conosco pessoalmente amanhã.

Todos se entreolharam.

-O que eles querem? - perguntou Ianmarê, a mais bonita.

-Não sei. Só vamos saber na hora.

-Isso não está cheirando bem... - comentou Olojacá, a velha ranzinza do grupo.

-Não vejo problema algum - retrucou Exugum - Iremos sim, amanhã.

Aquela sentença terminou por ali a conversa, e todos voltaram ao que estavam fazendo. 







Magreb: noroeste da África, onde estão localizados o Marrocos, Argélia, Tunisia, Mauritânia e Líbia.

Maxerreque: região nordeste da África, mas inclui países árabes. Composta pelo Egito, Iraque, Jordânia, Kuwait, Líbano, Líbia, Omã, Catar, Arábia Saudita, Sudão, Palestina, Síria, Emirados Árabes Unidos e Iêmen e Israel.

A Travessia do Deserto (Fantasia-HistóricaOnde histórias criam vida. Descubra agora