Noite de 22 de Outubro

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Carol

Carolina, você fez o quê?

Eu apenas escuto o que Adriana grita do outro lado da linha, mas minha atenção está completamente em outro lugar. Ergo o pescoço pela fresta da porta da cozinha para observar a mulher encostada no papel de parede da minha sala.
Uma desconhecida completa. Uma desconhecida completa que eu deixei entrar.

Olha, Carolina, você já fez várias merdas, mas essa...

— Eu sei, tá bom? Eu sei. Eu só não conseguiria deixar ela lá do lado de... que droga de música é essa?

Eu podia ouvir os zumbidos no fundo da ligação, um timbre extremamente alto e desagradável.

É — Adriana parece frustrada — Você sabe, a qualidade do som aqui caiu bastante depois que a-

— Não está ajudando!

Desculpa.

Continuo observando o corpo estranho se mover perdido na minha sala. Seus braços sempre juntos, as mãos fechadas em punhos grudados nas costas e pequenas gotículas de água caindo das mechas na madeira do piso. Eu acompanho com lentidão para não perder um movimento sequer, não sei o que é isso, mas soa... familiar.

Carol, você tá me escutando?

— Sim — respondo de pronto.

E o que você vai fazer?

O que eu vou fazer. O que eu vou fazer?

— O que mais eu faria, Adriana? — respiro fundo — Não vou deixar a garota perambulando por aí uma hora dessas, ainda mais nas condições em que ela se encontra.

Ela solta uma risada incrédula do outro lado. Um som mais agradável do que a dita música horrenda.

Certo. Então você vai dormir de conchinha com uma maluca, é isso?

— Não seja ridícula — outro suspiro — Eu só... eu quero ajudar. É o que ela faria, não é?

Posso ouvir a respiração pausada de Adriana com o telefone mais perto do rosto.

Eu não faço ideia.

Então ficamos as duas em silêncio.

No fundo, um contrabaixo desafinadíssimo grunhindo como uma máquina de lavar com defeito, e na minha frente a risada de uma pessoa que eu nunca havia visto antes, de pé no meio da minha sala assistindo uma guerra de jedis do filme que esqueci de pausar. Suas bochechas e nariz estão levemente vermelhos por conta do frio, ela não desvia o olhar nem por um segundo, hipnotizada. Hipnotizada.

— Eu vou ficar bem — asseguro, mais a mim do que a ela.

E tudo parece certo quando ela desliga e diz "é bom que fique".

Eu ponho o celular no bolso e respiro fundo.

Não consigo pensar em nada mais improvável para uma noite de sexta e, de alguma forma, coisas como essa parecem acontecer apenas comigo. John Green escreveu uma vez que se levarmos em conta todos os eventos improváveis, é possível que pelo menos um deles vá acontecer a cada um de nós. O meu evento poderia ter sido qualquer coisa, uma chuva de sapos, um terremoto grau 3. Mas ele escolheu ser bronzeado e esguio, ter olhos castanhos curiosos e não se lembrar de absolutamente nada.

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