Prólogo - Madrugada de 22 de Setembro

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Carol


Na entrada da rua sinto vontade de vomitar.

Talvez a ideia de voltar para casa tão cedo não tenha sido tão boa. Tudo é muito recente: as sirenes, as luzes avermelhadas, o painel marcando 120 km/h. Minha camisa nova do Pink Floyd ainda fede a vômito e vodka e meus sapatos chacoalham com os estilhaços de vidros presos na sola.

Esses cinco minutos que passo fora do carro são quase piores do que as últimas quatro horas, porque quase pior do que ver Talia se contorcer é simplesmente não vê-la. É nesse momento que sinto raiva por morar em um bairro tão calmo, nessa casa tão bacana com essa rua tão silenciosa. Eu queria barulho, música alta, briga de vizinhos, queria uma matilha inteira de cães raivosos latindo bem no pé da janela pra que eu tivesse quem culpar por não dormir essa noite. Um motivo que não fosse esse dia inteiro. Um motivo que não fosse o laudo dobrado no painel do meu carro repetindo óbito tantas vezes e tão escancaradamente.

Sinto raiva porque mesmo que eu atravesse o meu carro no meio da faixa ele vai estar intocável amanhã de manhã. Sinto raiva por tudo continuar tão certo quando deveria estar um caos como eu.

Tudo, exceto por uma coisa.

Na minha porta, assim que estou prestes a força-la para a direção errada como faço toda vez, tropeço com os cadarços mal amarrados e os estilhaços de vidro em uma pequena caixa de madeira. Nunca pensei que os meus vizinhos enxeridos pudessem ser tão rápidos, deixando presentes fúnebres pela madrugada e esperando para apalpar os meus ombros pela manhã.

Mas, para ser justa, não eram.

Dentro da caixa não havia um buquê de flores ou um bolo médio que dizia eu sinto muito escrito com glacê por cima. Morangos maduros, sim, morangos belíssimos, tão vermelhos quanto o meu retrato do Barão V pendurado acima do sofá.
No interior da caixa, um bilhete, com a caligrafia trêmula e um borrão azul que a caneta deixou no canto do papel:


Espero que um dia você consiga me perdoar.

Natália.

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