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  Celeste não dormiu durante as noites que se seguiram, ela sentia a morte tão próxima de si que qualquer resquício de paz desaparecia.

Às noites compartilhavam a sua escuridão durante o amanhecer.

•••

- Nada.

- O que?

- Nada, não tinha nada Lúcio. - Samara afirmou com rigidez.

Lúcio balançou a cabeça em negação, era impossível, ele tinha feito uma bagunça na noite anterior.

- Nem o carro?

- Nada.

- Droga.

Samara andou pelo quarto, o vestido branco de seda estava impecável e nenhuma marca de sangue aparente.

Ela já não saciava o seu desejo, Lúcio começou a perceber.

- Poderia tê-lo matado de outra forma. - Samara falou com a voz fraca. - A mordida nunca é necessária se o seu objetivo é o assassinato.

Lúcio quase sorriu.

- Estava enfraquecido, não conseguiria sem a mordida. - a mentira saiu com facilidade.

Samara suspirou, sua aparência era a de uma moça no auge da sua juventude, entretanto, os duzentos anos sempre eram revelados na ausência áspera do sangue.

- Precisava matar?

Lúcio franziu o cenho, questionando-se quantas personalidades Samara adquiriu ao longo dos anos.

- Eu não preciso de nada.

Samara riu, o convencimento daquele garoto a fazia sentir vergonha, a confiança inapropriada diante do futuro terrível que o aguardava era como uma piada.

- Nada?

- Nada além do sangue.

- Você ainda não está morto. - Samara comentou omitindo o que ansiava dizer

Não como eu.

A transformação de Lúcio não estava completa, ele ainda tinha salvação, se negasse aos seus desejos.

- Uma questão de tempo. - Lúcio afirmou sem remorso. - como todos nesse mundo ordinário.


- Quer acelerar o processo?

- Que outra escolha eu possuo?

Samara encarava seu sobrinho como quem olha um espelho, o que era agradável, considerando que fazia alguns anos que ela não conseguia ver o próprio reflexo.

Naquele instante ela teve de controlar o forte impulso de revelar a ele o parentesco existente.

- Mentiroso. - ela o acusou sem pudor. - sabe da outra escolha.

- Samara, para alguém cuja alma está completamente perdida, você está muito preocupada com a minha possível salvação.

O silêncio pairou entre ambos, fino e indelicado, como uma lâmina.

- Samara?

- Arrume a sua confusão Lúcio, o homem que matou está desaparecido, você deve se certificar que ele não é um de nós agora. - a voz dela esfriou ante o desespero. - pobre homem.

Lúcio a encarou com escárnio.

- Se soubesse o tipo de homem que ele era, não diria isso - Lúcio afirmou com rancor.

- Se ele for como nós, sei exatamente o tipo de homem que é -Samara falou antes de se retirar do quarto. - um perdido.

Deixado para a sua solidão, Lúcio contemplou a excitação furiosa que vibrava dentro de si.

Sem os sermões controladores de Samara ou as palavras tranquilizantes, ele podia se concentrar nas milhões de sensações que dançavam em seu corpo.

O sangue fazia isso.

O sangue de outro ser.

Quanto mais ele bebia, mais ele ansiava.

Nunca se sentiu tão vivo até morrer.

•••


Dia e noite não faziam diferença para Celeste, o cansaço a perseguia até nos sonhos.

O cansaço não se dissipou completamente quando ela compareceu a uma festa da atlética e ficou bêbada até vomitar, o álcool a deixou mais a vontade para chorar, mas parecia uma extensão de sua tristeza.

Celeste sentia um vazio palpável, tinha a impressão que se pegasse uma navalha e cortasse a sua carne, não encontraria nem sangue em suas veias.

Era oca.

Procurou no celular alguma mensagem de amigo ou familiares, alguma novidade ou distração.

Nada

Além de uma mensagem de um desconhecido.

Qual o preço por hora?

Celeste sentiu vontade de vomitar novamente.

Nunca mais voltaria a fazer o que fazia.

Nunca mais.

AdeusOnde histórias criam vida. Descubra agora