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O expediente terminaria em uma hora.

Lúcio a observava tentando manter algum pudor, como quem admira uma ilusão verídica entre as páginas de um livro, desenvolvendo uma devoção secreta por uma história que jamais será sua.

Lúcio desenhou o rascunho de um sorriso em seu rosto que a cada dia ficava mais pálido, uma vestígio da promessa de morte completa, Samara havia lhe dito que que ele poderia viver qualquer vida, milhares de vida se desejasse, mas as palavras agora pareciam vazias, qual a graça de viver milhares de vidas sem vida.

- Boa noite. - Celeste falou sem muita animação - sua água.

- Obrigado.

Ela afastou-se novamente, parecia indiferente a sua presença, naquele ambiente Lúcio era só mais um cliente, não um louco em um beco escuro, e mesmo que o reconhecesse, ela externaria alguma reação drástica? Lúcio questiono-se intrigado.

Bebeu a água, era ainda a única bebida que realmente sentia necessidade.

O álcool não conseguiu deixá-lo enfeitiçado como antes, o sabor do suco desaparecia rápido demais e leite se parecia com cimento sobre a sua língua.

Mas não o sangue, o sangue o deixava inebriado com uma tempestade dançando em seu coração, o sabor descia pelo sua garganta e permanecia pelo resto do dia, uma lembrança da indelével alteração do seu ser.

Precisava de sangue.

- Posso levar?

Lúcio encarou Celeste um pouco confuso, suas necessidades quase sempre o cegavam, mas ele agora tinha um vislumbre de uma vida distante.

Desejava ter encontrado essa garota há um ano antes.

- Claro.

Ela pegou o copo e o depositou sobre uma bandeja, indo em direção a outra mesa.

Samara estava correta, ele poderia viver milhares de vida.

Que essa fosse a sua primeira.

•••

Caminhar pelas ruas da cidade tinha uma áurea assustadora, Celeste não conseguia evitar, algo se deslocará dentro de si após aquela noite.

Sabia dos perigos que poderiam surgir junto com a noite, assaltos, assédios, drogas e mortes.

Nunca pensou em se deparar com o último de maneira tão brutal.

Ela tentava evitar andar agora, mas o caminho do seu trabalho até a sua universidade não era muito distante, além dela precisar economizar nas passagens de ônibus, seu salário não deveria ser consumido por um transporte público lotado que gerava pouco conforto.

Celeste suspirou de frio, odiava as circunstâncias, odiava ter que evitar as drogas, evitar as caminhadas, evitar os gastos desnecessários e necessários. Vivia em uma constante negação sem promessa alguma de melhora, fazia três anos que havia começado a entender o porquê das pessoas se matarem.

Fazia três anos que começará a estudar, trabalhar e cuidar de sua avó.

E dois anos desde a primeira vez que experimentará a maconha.

E um ano desde a sua primeira tentativa de fugir do plano terreno.

Celeste não possuía nostalgia, sua infância não foi maravilhosa, sua adolescência foi um período que não merecia lembranças, mas ainda assim, tudo parecia desmoronar nos últimos três anos.

Entendia agora a própria mãe.

•••

O ônibus estava vazio, Celeste encostou a cabeça na janela e fechou os olhos, o percurso após a universidade era o mais próximo de descanso que ela sentia, ao menos ela conseguia um lugar para se sentar.

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