Um ano depois...
Ana Carolina Silva Alencar não tinha muitos motivos para estar feliz naquele exato momento. Se arrumando sozinha e tentando a todo custo secar as lágrimas que teimavam em cair, olhou tudo à sua volta, seu quarto com o mesmo estilo infantil de quando ainda era menina. Estavam espalhados os ursos e bonecas sobre a cabeceira da cama bem arrumada, forrada por uma colcha felpuda que um dia já foi uma de suas maiores exigências. Contudo, naquele momento, sua maior vontade era cortar aquela droga em pedaços minúsculos.
Nunca foi apaixonada pelo fogo, mas jogaria de bom grado as pelúcias e bonecas caríssimas que sua mãe lhe dera com a pura intenção de comprar o seu afeto. Transformaria tudo em uma fogueira colossal e observaria com prazer aquelas coisas bobas e infantis queimarem até sobrarem apenas cinzas.
Simone sabia o quanto estava sendo ausente, mas pouco parecia se importar se sua filha crescia carente de afeto ou mesmo apegada a uma simples funcionária da casa, quando ela própria não se preocupava com o bem-estar da filha. A mãe de Carol preocupava-se apenas com a imagem de boa família que tentava passar junto ao marido.
Inevitavelmente, a farsa de família perfeita veio abaixo e graças a atitude ausente de seus pais, Carol viu-se com nada além de uma casa requintada, refeições entediantes em uma mesa grande onde se sentava sozinha, servida por duas empregadas, uma governanta e um jardineiro.
Olhou novamente para o quarto com paredes rosa salmão, duas poltronas cor de rosa, a penteadeira que claro, não poderia ser de outra cor. Alguns quadros com retratos de uma família feliz... e falsa!
Tudo muito arrumado, tão perfeito e estável... como ela. Sim, como ela própria.
Perfeita, inteligente, bem nascida e criada, mas tudo isso não serviu para conquistar o amor dele, não é verdade?
— Nada... — respondeu para si entre dentes e foi jogando as coisas no chão — Nada. Nada!
Gritou arrastando a maldita colcha da cama.
— A imbecil da Carol... queria seu quarto igual ao de uma boneca. Por quê? Ah, porque ela acreditava que sua vida era perfeita... Mas sabe? Não era nada do que parecia!
Se a mãe foi relapsa, seu pai não foi dos melhores. Àquela altura da vida estava prestes a ser mandado para a prisão por não controlar seus instintos animais perto da irmã mais velha de Fred, sendo que a família de ambos era a mais importante da região. Quanta inteligência!
Sentiu a mão coçar com o desejo quase incontrolável de quebrar o espelho que a refletia. Estava deslumbrante dentro do vestido rosê com um ajuste perfeito. Seguiu com o olhar a curva sinuosa do corpo que a peça delineava tão bem. Lembrou-se de quando o ex-namorado apertava a carne de seu traseiro e dizia que nunca tinha visto algo tão bem feito antes. Ele nunca foi do tipo romântico, pelo menos não com ela, pois em poucas horas...
Uma torrente de lágrimas molhou o rosto de porcelana e num acesso de fúria ela jogou seu abajur cor de rosa no maldito espelho. Foi uma sensação de quase prazer ouvir o estrondo que a pancada provocou. Prazer em ver o objeto estilhaçado, disparando feixes luminosos em várias direções antes de se perderem no tapete felpudo.
— Menina! O que é isso?
Carol seguiu a voz assombrada com o olhar e sorriu, sua expressão mais parecia uma careta, sem contar com a maquiagem borrada, manchando o rosto tão bonito.
— Estou fazendo uma reforma, Naná.
Respondeu para uma governanta preocupada.
Em toda a sua vida, e desde que conhecia a menina, Joana ou Naná, como Carol a apelidou desde pequena, nunca a tinha visto tão transtornada.
A jovem se aproximou da porta do guarda-roupa e pôs uma das mãos sobre o que restou do espelho, que ficou cheio de rachaduras e relevo. Em poucos instantes um pequeno fio de sangue percorreu a superfície espelhada, mas Carol não se importou.
Atônita, a governanta fitava o chão, vendo como tudo se misturava numa bagunça sem fim, inclusive os estilhaços de vidro.
— O que você acha, Naná? Será que ele vai me achar mais bonita do que ela?
Ela levou a mão até o rosto, mas percebeu os vestígios do sangue e baixou, apoiando-se sobre a parte intacta do espelho. A reação de Naná, claro, não foi a mesma, assustou-se assim que viu o ponto vermelho e foi até a jovem.
— Naninha! Você se feriu.
Concluiu contornando toda a confusão formada no quarto.
— Isso aqui? — Ela liberou um sorriso seco, e com olhos distantes continuou a falar. — Eu queria que fosse minha única dor, Naná.
— Ô, minha filha... Se ficar no meio desse vidro quebrado, vai se machucar mais. Vem aqui — Naná a chamou carinhosamente.
Carol sempre gostou muito de sua governanta. Mesmo sendo um pouco esnobe e fizesse o máximo para "manter os empregados no seu devido lugar", para ela Naná era algo muito diferente. Seu olhar caiu sobre as mãos estendidas, as que sempre foram seu amparo e que ela sabia poder confiar. Andou até a mulher de meia-idade, aceitando o suporte que ninguém mais poderia lhe oferecer.
— Só você ficou, Naná...
Lamentou com as lágrimas formando borrões diante de seus olhos.
A governanta a fitou cheia de compaixão e já no corredor a fez caminhar até outro quarto, o qual era de seus pais e no momento estava vazio.
Joana a guiou com cuidado até o banheiro extremamente luxuoso, com direito a espelho orgânico e paredes em uma textura na cor grafite. O box enorme tinha uma banheira retangular em fina porcelana, onde cabiam três pessoas. Seus pais sempre gostaram de ostentar, pena que não ostentaram o que Carol mais desejou na vida, que era o carinho e amor negligenciado à própria filha.
— Você não precisa ir a esse casamento, minha menina.
A governanta tomou a mão de Carol assim como fazia quando ela era apenas uma criança e estendeu embaixo da água corrente, verificando se havia algum estilhaço. Em seguida, passou o algodão molhado com álcool, concluindo que não passava de uma espetada.
— Eu preciso ir Naná. — O olhar da jovem cresceu como pedras verdes cristalinas. — Tenho que tirar isso... de dentro de mim. Preciso confirmar que não há mais esperança!
Carol abandonou as mãos sobre o colo, já sentada sobre o vaso sanitário fechado.
— Então precisa ficar pronta. São três e quarenta da tarde e a cerimônia vai começar às quatro.
Os lindos olhos brilharam, trazendo mais lágrimas misturadas ao material preto do rímel. Naná de alguma forma a envolveu em seu abraço e alisou com carinho as costas nuas no decote em U que o vestido trazia. Naquele breve instante, sentindo o conforto da sua querida Naná, Carol sentiu que estava menos solitária no mundo.
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Sob seu Toque - Irmãos Villarreal I
RomansaAna Carolina Silva Alencar não tinha muitos motivos para estar feliz, pois estava na festa de casamento do homem que conhecia desde sua adolescência e que amou mais do que deveria. Carol não esperava a ingrata surpresa de que ele se casasse exatamen...