O Primeiro Lorde

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Mia mal conseguiu dormir. Suas mãos tremiam e suavam enquanto ela pensava no que havia acontecido na noite passada. Havia acordado há algum tempo, com Caspian chutando os portões da cela, numa tentativa falha de fazer com que eles se abrissem. Algum tempo depois, Edmundo acordou com o barulho.

- Você está bem? – Caspian perguntou

Edmundo respondeu que sim, enquanto se levantava e bocejava, embora seu rosto cansado dizia o contrário. Mia estava sentada ao seu lado, mexendo nas mãos de maneira ansiosa. Assim que reparou nela, Edmundo segurou suas mãos com gentileza. Mia sentiu um arrepio percorrer pelo seu corpo. Olhou para Edmundo. Seus olhos carregavam olheiras de dias sem dormir direito, e elas pareciam ter se agravado na noite passada, mas, de alguma forma, eles diziam que tudo ficaria bem. Mia sorriu fraco. Caspian continuou chutando os portões, até que uma voz o interrompeu.

- É inútil – disse - Vocês nunca sairão daqui

- Quem está aí? – Edmundo perguntou

- Ninguém – respondeu – Apenas uma voz da minha cabeça

A voz vinha de um canto bem escuro da caverna. Caspian se aproximou, mas não foi preciso, pois a imagem mirrada de um homem apareceu. Ele tinha um olhar cansado, sua barba e cabelo grisalho eram longos e suas roupas velhas e sujas, como se ele já estivesse naquela caverna há anos. Caspian o encarou por algum tempo, então perguntou :

- Lorde Bern?

O homem o fitou, depois o chão, um pouco surpreso

- Fui Lorde uma vez... mas já não mereço mais esse título

- Ele é um dos sete? – Perguntou Edmundo.

Caspian afirmou com a cabeça, aproximando-se ainda mais do homem, com certo fascínio. O homem o encarou por alguns instantes

- Seu rosto... me lembra muito o de um rei que eu amava muito

- Esse era o meu pai – Caspian respondeu

O homem caiu de joelhos em espanto

-  Milorde! Por favor, me perdoe

- Não, por favor – Caspian o levantou devagar

No mesmo instante, gritos surgiram do lado de fora da cela. Edmundo levantou-se e foi até as grades da pequena janela para ver o que estava acontecendo. Sua visão foi a de uma carroça cheia de gente, parando no porto. As pessoas estavam com as mãos amarradas, sendo empurradas para os botes. Mia e Caspian tentaram se apoiar na janelinha ao lado de Edmundo

- Para onde estão os levando? – Caspian perguntou

- Continue olhando – Lorde Bern respondeu

As pessoas entraram nos botes, que foram empurrados mercê do mar, sozinhos. Até que algo estranho aconteceu. Uma névoa verde e espessa surgiu entre os botes, fazendo com que eles desaparecessem.

- O que aconteceu? – Caspian perguntou

- É um sacrifício. – Lorde Bern respondeu – A névoa foi vista pela primeira vez no leste. Relatos de pescadores e marinheiros sumindo no mar. Nós, Lordes, fizemos um pacto para achar a fonte da névoa e destruí-la. Todos partiram, mas nenhum voltou.

O Lorde dava voltas pela caverna enquanto falava. Sua aparência parecia não ter sido denegrida só pelo tempo e pelas dificuldades, mas pela tristeza e angústia. Ele parou na frente de Caspian

- Se não forem vendidos pelos mercadores de escravos, servirão de alimento para a névoa

Mia sentiu um arrepio gelado percorrer seu corpo. Olhou para Edmundo

- Precisamos achar Lúcia – O garoto disse – Antes que seja tarde demais

- Mas como vamos sair daqui? – Mia suspirou – É impossível

Pra sua sorte (ou não),  o portão foi aberto quase no mesmo instante. Três homens entraram e os prenderam com pesadas algemas de ferro, depois os levaram para fora da cela. Talvez fosse impressão, mas Mia sentiu ter saído de uma cela gelada para o ar quente que havia lá fora. O sol da manhã quase a cegava. Estavam sendo puxados pelas correntes das algemas, ou empurrados para andarem. Subiram algumas escadas, talvez os levassem direto para os botes, para serem engolidos pela névoa. Mas então, Mia ouviu um burburinho vindo de lá debaixo. Ela de repente parou. Aquela voz...

Mia olhou para baixo. Eustáquio era o objeto leiloado. Havia alguém ali chamando atenção. Um homem com o rosto coberto por um capuz. Ele falava algo que Mia não entendeu, mas ela sabia que aquela voz era familiar. Cutucou Edmundo e apontou. O garoto olhou para baixo depois a encarou. Espere um pouco. Era o que o olhar dele dizia. Foi empurrado para que voltasse a andar, mas aí, o burburinho lá embaixo aumentou. Dessa vez os mercadores pararam para ver o que estava causando toda aquela confusão. Foi quando Caspian aproveitou pra nocautear o homem que o empurrava.

Lá em baixo, Drinian havia retirado o capuz, revelando RipChip em seu ombro.

- Por Nárnia! – o rato gritou

Atrás deles, homens da tripulação do Peregrino empunharam suas espadas e começaram um ataque. Foi questão de segundos até que todos estivessem lutando. Mia tentou desviar e escapar dos homens que iam atrás dela com suas espadas. Tentava desesperadamente tirar as mãos das correntes, mas só machucava mais seus pulsos. Caspian e Edmundo desviavam com facilidade, acertando os homens com as algemas pesadas, nocauteando-os. Edmundo parou ao ouvir Mia gritar seu nome. Imediatamente procurou a garota no meio dos mercadores. Um homem a segurava com força. O desespero em seus olhos quando sentiu o gelado de uma faca afiada contra o seu pescoço foi como uma pontada no estômago de Edmundo. Sua respiração ficou pesada.

- Solta ela

Edmundo tentou se aproximar, mas a ameaça de pressionar ainda mais a faca contra o pescoço da garota, fez com que ele recuasse. Seus olhos encontraram os de Mia. Ela fez um leve aceno com a cabeça. “Está tudo bem”. Ela precisava ser corajosa. Fechou os olhos e respirou fundo. Juntou toda a sua força em uma cotovelada na barriga do homem, que a soltou, surpreso, mas não sem deixar uma marca na parte superior do pescoço de Mia, subindo pela mandíbula, indo para a bochecha esquerda.

- Pirralha Maldita!

Antes que ele pudesse fazer qualquer outra coisa, Mia o chutou em um dos joelhos, fazendo-o cambalear. Edmundo aproveitou para surrupiar sua espada e nocauteá-lo.

O mundo parou por um momento para Mia e Edmundo, como muitas vezes acontecia. O garoto imediatamente soltou a espada e foi até Mia. A garota respirava com dificuldade.

- V-você está bem? Seu pescoço...

Ele tocou delicadamente o corte, o que fez Mia segurar um gemido de dor. Ela segurou sua mão, afastando-a um pouco de seu rosto. Sorriu fraco, tentando tranquilizá-lo

- Está tudo bem, não é nada demais...

Em meio à todo aquele caos, Edmundo a olhava com uma mistura de paixão e medo. Por um momento pensou em como Mia era a única pessoa que ele tinha nos últimos meses, a única que realmente parecia se importar. Edmundo tinha medo de perdê-la. Não tinha medo apenas de que ela não pudesse se defender nas lutas, mas tinha medo de não conseguir protegê-la, de acabar fazendo alguma coisa errada.

Mia o fitou, tentando ler suas expressões. Nunca era fácil decifrar o que Edmundo estava pensando, mas alguma coisa em seu olhar a afligia.

- GENTE!

A voz de Caspian os fez voltar à realidade. O rei travava um duelo de espadas com o único homem que restava ali. Tentou avisar dos outros que estavam chegando. Ele falou com dificuldade enquanto lutava

- Eu sei... que vocês estão apaixonados e tudo o mais... mas... agora não é... a melhor hora

Os dois se olharam, corando um pouco. Edmundo conseguiu tirar as algemas de Mia e jogou as chaves para Caspian depois de tirar as suas. Mia sentiu um enorme alívio ao libertar os pulsos. As algemas a haviam apertado tanto que doíam um pouco, mas ela ignorou. Pegou a espada de um dos homens caídos e continuou lutando.

Chegou um momento em que os cidadãos da cidade saíram de suas casas, onde estavam escondidos, encorajados a lutar contra seus opressores. Por serem muitos, não demorou até que estivessem completamente livres. O povo gritou e aplaudiu seus salvadores enquanto caminhavam ao porto. Um homem se aproximou deles aos gritos. Drinian o impediu de chegar perto de Caspian.

- Majestade! Majestade! Minha mulher foi levada esta manhã. Eu imploro que me leve com você. Sou um bom marinheiro. Passei minha vida toda no mar.

- Claro – Caspian assegurou – Deve vir

Uma garotinha o puxava pelas roupas, pedindo para ir. Ele se ajoelhou, ficando à altura dela.

- Eu já deixei de voltar pra você?

Ele a abraçou antes de partir. Por um momento, Lúcia a fitou. A garotinha usava um vestido rosa. Aparentava ter uns 8 anos, a mesma idade de Lúcia em sua primeira vez em Nárnia. Um sentimento apreensivo de nostalgia preencheu seu coração. Ela sorriu levemente antes de seguir o caminho de volta.

Logo voltaram para o Porto e estavam prestes a sair quando uma voz chamou :

- Meu Rei! Meu Rei!

Lorde Bern surgiu vindo do outro lado do porto, com algo que parecia uma espada em suas mãos.

- Isso foi dado a mim por seu pai. Mantive-a em segurança em uma caverna, por todos esses anos

A espada estava coberta por cascalhos, mas Edmundo reconheceu

- É uma antiga espada de Nárnia!

- É de sua era de ouro – Lorde Bern disse – Há 7 espadas como essa. Presentes de Aslam para proteger Nárnia. Seu pai as confiou a nós.  Tome, Pegue-a

Ele a estendeu a Caspian. O Rei observou Edmundo por um momento e o entregou a espada. Mia pôde ver o brilho nos olhos do garoto enquanto seguiam de volta ao navio.

Mia And The Voyage Of The Dawn Treader || My Best Friend (2)Onde histórias criam vida. Descubra agora