Prólogo

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Alix olhava para o último andar de um prédio, encarando o casal enquanto eles transavam contra a janela. Mesmo de onde estava, ela conseguia observar o prazer no rosto do homem enquanto a sua respiração embaçava o vidro.

Essa seria uma maneira infinitamente melhor de passar o dia ao invés da missão que ela havia planejado. Ela conseguia imaginar perfeitamente o Agente Rein segurando-a daquele jeito, agarrando-a enquanto enchia a sua garganta de beijos.

Mas isso nunca irá acontecer. Amor é estritamente proibido para os espiões de Avalon Tower. O problema é que banir o desejo não diminui o calor. Às vezes, Alix acha que todos os espiões de Avalon estão insatisfeitos, obcecados ou perdidos em fantasias. Hoje, especialmente, sua cabeça não está no jogo — embora haja soldados Fey que provavelmente estão espreitados por todo este lugar, esperando ansiosamente para passar as suas espadas em agentes como ela.

Distração é morte, lembrou a si mesma.

Ela virou-se para examinar a rua em busca de sinais dos seus inimigos Fey. A princípio, ela não enxergou nada de errado. Na verdade, a rua parecia perfeitamente calma, pitoresca e singular. Varandas com estruturas de ferro pendiam sobre o beco de paralelepípedos. Aqui, no sul da França, o aroma de lavanda se misturava no ar com o cheiro da maresia do mar. As ruas desta cidade eram antigas, pedregosas e parecem labirintos. Ao final da ladeira, a neblina se encontrava com o Mar Mediterrâneo. Ao final da rua, havia um café com vista para o mar — Café de la Fôret Enchantée. O ponto de encontro era na porta dos fundos.

Alix espiou as mesas ao ar livre, e observou uma mulher de cabelos escuros comendo bolo e flertando com o garçom. Alix sente uma pontada de ciúmes. Para uma mulher normal – que não seja uma espiã tentando salvar o mundo – o amor é sempre uma possibilidade.

Foco, Alix.

O ar de serenidade permaneceu ao seu redor. Nenhum sinal dos soldados Fey. Mas também não há sinal de Rein.

Um sino no alto de uma igreja tocou, fazendo seu coração pular na mesma batida. Rein deveria estar aqui. Ele geralmente chega cedo.

Ela respirou fundo, buscando se acalmar. Ela estava sempre pensando em Rein, e por isso o amor deve ser proibido em primeiro lugar. O amor ofusca o foco da missão e leva a decisões estúpidas. Ela nunca lhe disse como se sentia, como sempre parecia que estava buscando por ele. Sempre que ela via um reflexo, ela verifica o vidro para ver se ele está atrás dela, esperando ver o seu sorriso jovial ao invés de um inimigo. Sempre que Alix entrava no refeitório de Avalon Tower, ela examinava a sala em busca de sua forma esbelta. Ela sempre buscava por desculpas para ficar próxima a ele, mas ela nunca conseguia afirmar se o sentimento era recíproco.

As nuvens se movem no céu escondendo o brilho do sol, e Alix sentiu um arrepio. Ela deveria estar na praia, alerta para qualquer sinal dos Fey, aqueles soldados com feições aterrorizantes vestidos em suas roupas azul escuro. Mas ela não iria sair daqui sem Rein. Ele estava atrasado para o encontro, e a mente de Alix criou um milhão de possibilidades horríveis sobre o que poderia ter acontecido.

Com o pulso acelerado, ela sobiu a ladeira novamente. Sua pele formigava com o zumbido do véu que emana das ruas próximas. A barreira que separa este mundo, do mundo dos Fey. Na teoria, o véu é a fronteira que os mantém de um lado e os humanos do outro. Mas na prática não é tão simples assim. De certa forma, nunca é possível ter certeza de onde, exatamente o véu está. É fato que os Fey o controlam, mas as vezes, o véu parece ter vontade própria. A fronteira mágica costuma devanear um pouco, mudando a sua localização de forma ligeira. É uma coisa faminta, e se ela te consumir, você morre. De tempos em tempos, ela deixa alguns turistas curiosos mortos nas ruas sinuosas do sul da França. Atualmente, Alix é uma das poucas pessoas que podem controlar o véu, que pode impedir a morte daqueles que ultrapassavam a fronteira.

Alix checou o seu relógio rapidamente, e o medo percorreu a sua espinha. Rein estava há seis minutos atrasado. E ele nunca se atrasa, especialmente em uma missão de exfiltração. Os fugitivos já deveriam ter atravessado o véu neste momento. Ela sentiu seu peito apertar e mal conseguia respirar.

Os espiões são ensinados a suprimir as suas emoções, a manter controle total sobre si mesmos, até mesmo quando o perigo espreita nas sombras de cada beco. Porém agora, Alix sentia todo o seu treinamento falhar enquanto as possibilidades aterrorizantes surgiam em sua mente.

E se ele já tivesse sido massacrado pelos Fey? E se o véu mudou de lugar e o matou? Ela perderia a cabeça se algo acontecesse com Rein. Se jamais pudesse ver os seus olhos castanhos novamente, ou se nunca mais tivesse a chance de envolvê-lo em seus abraços.

Ela rangeu os dentes com tanta força que quase morde a língua. Se recomponha.

Alix mascarou os seus sentimentos com um sorriso melancólico enquanto atravessava a rua em direção as lojas pintadas de salmão e dourado, do lado oposto. Ela fingiu olhar para as prateleiras da loja, passando os olhos pelas madeleines, croassaints e algumas fatias de bolo. Qualquer pessoa que a observasse naquele momento pensaria que era apenas uma turista com fome e de férias, uma loira bonitinha em um vestido de verão.

A neblina começara a atravessar a rua.

Onze minutos agora. O sangue de Alix esquentou em suas veias. Algo definitivamente estava errado. Ela se virou e marchou novamente até o Café de la Fôret Enchantée.

Por fim, ela ouve o apito indicando o sinal de Rein e solta um suspiro de alívio. Ele está vindo atrás dela. Será que ela o perdeu de alguma forma?

O sinal aparentava estar vindo de uma viela estreita e, sem pensar duas vezes, Alix correu até lá.

Ela virou a esquina, e, de repente, o mundo se inclinou sob aos seus pés. Agora, ela está cara a cara com um Fey imponente. Seu cabelo prateado escorria ao longo das suas costas, e ele estava vestido com o manto azul escuro dos soldados Fey. Havia algo na postura do Fey que era assustadora. A agudeza do seu olhar fez o medo percorrer os ossos de Alix. O brilho metálico em seus olhos verdes é desorientador, sobrenatural. Seus lábios estavam curvados, expondo um dos seus caninos afiados.

Alix não conseguiu ler nada em seus olhos, exceto ódio.

Fomos comprometidos. O coração de Alix disparou e ela se virou para correr. Porém, o soldado Fey agiu rapidamente e bloqueou a saída de Alix, deixando-a presa no beco. Ela pegou a sua adaga, mas era tarde demais.

A lâmina do Fey penetrou o estômago de Alix e a dor percorreu pelo seu corpo. O treinamento de Alix vem à tona e ela tentou sacar a sua adaga. Desviar. Aparar. Correr. Mas os seus membros não obedeciam por algum motivo e ela caiu de joelhos no chão.

Até que não está doendo tanto, pensa Alix. Estranho. Ela mal sentia a dor.

Memórias sobre Rein ascendiam em sua mente, enquanto ela sangrava nas pedras.

Avalon Tower [Tradução PT-BR]Onde histórias criam vida. Descubra agora