That I'd fallen for a lie
You were never on my side
Fool me once, fool me twice
Are you death or paradise?
Now you'll never see me cryThere's just no time to die-No time ro die (Billie Elish)
***
Não há nada mais torturante na vida do que as memórias, principalmente quando não se pode fazer nada a respeito delas. Um misto de ódio, dor e culpa faziam seu peito ficar cada vez mais apertado e o ar parecia pesar em suas narinas fazendo-a tropeçar e cair ao tentar sair de sua cama, não foi um sonho e ela sabia disso.
Seus olhos transbordavam em lágrimas a cada flash que surgia em sua mente, o caminhar humilhante, seus olhos erguidos ao céu tentando manter o pouco orgulho que lhe restava na tentativa de lhes dar um conforto para sua dignidade frente sua nudez exposta a todos os olhos que ali estavam e o seu fim indo ao encontro do seu carrasco que não exitou ao ergue-lhe a espada.
Ele havia errado o corte e nem todas as suas entranhas foram rompidas, o corpo ao chão banhado pelo odor fétido de sangue sob os últimos grunhidos e sofrimentos de uma jovem deixaram a multidão em frenesi, muitas mães tentavam esconder de seus filhos a cena pavorosa atrás de suas saias, mas não ocultavam seus olhares de uma maldade e curiosidade quase mórbida enquanto deixavam escorregar por seus lábios insultos e dizeres do tipo mais baixo.
-Imunda - fora uma das palavras que mais se repetia entre a multidão enfurecida sem um porquê claro, talvez pela fome, talvez pela guerra ou pelo cansaço descontavam sua irá nela, afinal tinham um nobre para escorraçar bem ali em suas frentes, porém o sentimento de injustiça não saia de seu peito.
Mesmo tendo erguido suas mãos em bondade para aqueles homens e mulheres sujos, fedidos e pobres que se amontoavam nos muros na cidade, sua condenação veio aplaudida por eles, sentia que aquele fim havia sido o mais cruel. Com uma mente completamente atordoada, seus olhos dançavam entre as paredes fazendo-a concluir que definitivamente aquela vida também não seria fácil, o local era feito de pedras brutas e geladas que fediam a mofo e a algo muito forte, um odor familiar, e provavelmente o que lhe acordou, lhe chamou a atenção.
Um cheiro podre, um cheiro podre de morte, havia um corpo em decomposição no canto do quarto.
"Mamãe" pensou incrédula enquanto se arrastava em sua direção, aumentando ainda mais o seu desespero, a dor em seu peito e uma ânsia enorme, fazendo-a estar prestes a vomitar mesmo que não tivesse nada em sua barriga.
Finalmente caiu em si, o choque fora tão grande que vivera seus dias normalmente até ali sem se dar conta de que sua irmã havia sumido e provavelmente também havia encontrado um fim trágico e que sua mãe se encontrava morta no canto da parede, ou o que restara dela, pele ressequida, ossos e sangue.
Ao encarar aquele líquido carmesim já quase totalmente seco, ela viu como em um espelho a imagem de seu próprio rosto, sim, seu rosto, o rosto da garota alegre, curiosa e leitora assídua que gostava de brincar na grama e ver o Sol se pôr no topo das montanhas refletidas nos lagos azuis que eram a paisagem de sua casa e não o de uma pessoa estranha e aleatória daquele mundo, era a sardenta Yue Mei de novo ou simplesmente a menina dos Sarieva que estava ali.
"Brancos" observou vagamente seus fios, suas pequenas mãos que antes apalpavam seus cabelos com certa curiosidade, agora em uma agressividade e raiva desmedida os puxavam em desespero, seus gritos, suas lágrimas e seu temor se transformavam em ódio e indignação e sem perceber seu corpo debruçou-se sob o da mãe sujando-a completamente de sangue.
Despedaçada, esta era a única palavra capaz de defini-la naquele momento.
*
Quando um tímido raio de Sol bateu em seu rosto naquela manhã ela percebeu que definitivamente deveria fazer algo a respeito, horas depois com força ela arrastava sob o piso da pequena cabana o corpo de sua mãe para fora deixando um rastro de sangue no chão, infelizmente não poderia dar-lhe o funeral digno que merecia, ao invés disso teria seu repouso em uma cova fria que a garota passara a manhã inteira cavando por conta do lamaçal que se formava pela chuva que caia concedendo-a como sua última vista o alto de uma colina frente ao mar. Sua mãe sempre odiou dias chuvosos, a cabana inundava por conta das goteiras no telhado e bichos peçonhentos como cobras e aranhas costumavam se esgueirar para dentro e se escondiam nas roupas e cobertores sem contar nas perdas, em um período daqueles haviam perdido toda a comida de sua despensa, foram tempos muito difíceis, mas sua mãe deu um jeito, ela sempre dava.
Por isso seus dias de fome foram poucos, havia pouco ou quase nada, porém, em momento algum sentiu o seu estômago doer o dia inteiro como estava sentindo naquele momento enquanto estava com sua mãe que por muitas vezes tirava-lhe da própria boca para dar a filha mesmo que o preço fosse alto ela pagaria, faria qualquer coisa para ter sua criança perto de si, ainda que o resultado levasse a um corpo fraco e lábios rachados ela não se importava afinal era sua filha o ser que mais amava em sua vida.
-Me desculpa - repetia entre soluços e lágrimas - eu te amaldiçoei.
De todos os dias que vivera aquela foi a única mulher que realmente podia considerar como sua mãe naquele mundo, boa, gentil e paciente quando encarava seus olhos para dar-lhe o seio parecia estar vendo uma joia rara mesmo aquela pequena criatura sendo a responsável por tirar seu sustento e fadá-la a uma vida de dor e sofrimento, no entanto, nunca passou por sua cabeça nem sequer uma vez abandonar ou matar o seu bebê como já acontecera em uma de suas chances onde sua vida fora ceifada meses após seu nascimento pelas mãos da mulher que havia lhe dado à luz sufocada sem meios de se defender ela desfaleceu no quarto de uma nobre e seu pequeno corpo fora jogado ao mar onde o balanço das águas a arrastaram para longe e o fundo do Oceano levou embora suas memórias.
Ela havia a destruído, seus seios agora grandes por conta do leite perderam sua rigidez, algumas manchas surgiram em sua pele antes lisa por conta do inchaço e seu belo rosto parecia ter perdido o brilho diante seus clientes, tornar-se mãe era o fim para qualquer uma de seu meio, porém preferiu deixá-la nascer, ela escolheu dar uma chance a sua menina em meio a tantos filhos seus que pelas circunstâncias não puderam vir ao mundo.
A última pá de terra havia sido colocada e tudo chegará ao fim.
-Tenho orgulho de ter sido sua filha - não havia honra maior em ter sido filha daquela mulher e de joelhos agradecia por isso.
Faria daquela a sua última chance, na verdade, sentia que aquela seria sua última chance, de ter uma boa vida, um final satisfatório, salvar sua consciência que já divagava e juntar seus pedaços novamente e principalmente fazê-los pagar por toda dor, toda doença e todo transtorno que a corroeram. Estava cansada de mais um adeus, mais uma despedida e mais uma memória fúnebre que tinha que passar por uma pessoa que amava para um mundo que parecia não deixá-la ter ninguém e muito menos ir embora, foram dezenove tentativas fadadas ao luto e estava determinada que a vigésima não tomasse o mesmo rumo.
"Desta vez eu não irei perder"
VOCÊ ESTÁ LENDO
Immortal Memories of a Targaryen
FanfictionSe o peso de uma vida muitas vezes se faz insuportável, como você suportaria o de 19? Várias tentativas falhas e fins dolorosos um após o outro estilhaçando gradualmente sua mente e drenando todas as suas energias com o peso de algo tão cruel quanto...