Meu bem, faz tantas luas que eu te espero.

1.2K 85 64
                                    




2020, janeiro, posse dos novos Promotores do Ministério Público do Rio de Janeiro.


Cada vitória pessoal é uma conquista coletiva na minha vida. Atualmente, depois de tantas derrotas e desilusões, posso concordar que essa foi a maior e uma das melhores.


Nervosa até a tampa, eu tentei assumir com felicidade e calma toda a festa planejada na capital. 4h de viagem dos parentes distantes, providenciei um hotelzinho próximo do lugar que seria a cerimônia de posse, usei vestido caro por cima da beca, postura de miss. Nada poderia me tirar do foco, e do sentido.


Parabéns, Dra. Sampaio. — o outro empossado me cumprimentava silenciosamente, ao meu lado.


Eu não tinha parado pra reparar nele antes, mas que bom que reparei, porque era um bálsamo aos olhos humanos. Grisalho bem alinhado, com pinta de ex-advogado e cafajeste. Assim como eu, usava aquela beca de posse, com detalhes em vermelho, atestando a boa conquista


Sorrindo amarela pro lado, tentei distinguir de onde que eu conhecia esse cara. O rosto não era muito estranho não, e eu tratei de ver o título dele que segurava sob o peito: Stenio Alencar Paiva.


O Alencar do nome dele realmente não me era nada esquisito. O Paiva com certeza era esquisito, e o Stênio... é um nomezinho de velho que faz jus aos seus fios grisalhos.


— Não se lembra de mim, não é? – ele disse, já olhando pra câmera que nos fotografava. — Eu fui Defensor Público em Niterói. Você trabalhava na segunda delegacia, não era?


— A uns 7 anos atrás, com certeza. — Pô, que memória boa.


— Sabia. Lembro de você com uma franja. — piscou de lado, e voltou a prestar atenção. O que foi aquilo, afinal de contas?


Nesse tempo, eu era uma escrivã comissionada de delegacia ocupada demais em ler apostila de cursinho da OAB, concurso, e coisa e tal. Uma franja que ele não precisava me lembrar, uma inocência de que ia bastar se formar no curso de Direito, que eu automaticamente ia conseguir um emprego. Spoiler: Não é assim que a banda toca.


Sem contar que naquele meio-termo, veio Esther, e o que seria de mim se não fosse mamãe e papai pra me ajudar com aquela menina de temperamento difícil  que acabou vindo bem no meu primeiro ano da faculdade, hein? Em coisa de um período, eu tinha que me virar pra voltar pra faculdade, agora com um bebê de colo, 18 anos recém-completos, olheiras malditas e uma pensão muuuuuito gorda de 300 reais por mês. Não preciso dizer que eu não tive o meu final de conto de fadas com príncipe encantado de cavalo branco e tudo, não é?


O curso de 5 anos acabou tendo 6, a bolsa-estágio salvava na medida do possível, e as madrugadas em Niterói  onde todos os meus amigos iam encher a cara e sair para todas as calouradas e cervejadas possíveis, eu velava do sono da minha filha e comia livros e mais livros. É isso. Minha vida foi essa durante os anos iniciais da minha vida adulta.


10 anos depois de Esther, cá estava eu: Tomando posse do meu primeiro concurso da vida, depois de muito trabalho duro, muitas noites de choro, muita dor e muito desapego emocional.


Sim, desapego emocional: não faço o tipo de quem se envolve, porque não tenho tempo, e o tempo que eu tenho, é valioso. E olha, parece que homem tem pavor de mulher solteira que tem filho. Principalmente mulheres de personalidade forte que são mães solo.


Não me arrependo de Esther, mas me arrependo de Rodrigo, com toda certeza. Ela não merecia ter um cara tão fraco como pai e que não faz questão de estar presente em nada da vida da menina nunca,  nunquinha. Eu não esperava que ele me assumisse, tampouco eu queria também, até porque ele nada tem a ver comigo, mas que pelo menos ele ajudasse na criação da filha que também era dele.


Porque Não Eu?Onde histórias criam vida. Descubra agora