Síndrome de Estocolmo

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Não existe nada, nenhum meio que seja mais estimulante no mundo dos adultos do que a omissão das verdades. Nada, nada mesmo poderia ser tão perturbador quanto essa ilógica fundamentada nas exatidões da mentira, e nada poderia ser tão consensual quanto o acordo silencioso dessas.



O jogo de omissões da noite passada me trouxe uma crise de gastrite psicológica, uma noite de sono mal dormida, uma sequência de mensagens mal-educadas.


Helô: Trate de apagar esse contato do seu telefone imediatamente.


Stênio: Eu teria que ser muito tolo pra fazer isso.


Helô: Para de me testar. Sério mesmo, isso já perdeu a graça, Stênio. Essa noite...


Stênio: Foi tão maravilhosa quanto você.


Helô: Não me faz te bloquear.


Stênio: Qual é, você não faria isso


Stênio: Até porque você gostou. Você gosta de mim, gosta de nós dois... A gente riu a noite toda, eu vi você me olhando. A gente se beijou, mais de uma vez. Não dá pra fingir que tudo é nada.


Stênio: Não se desfaça do seu vizinho favorito desse jeito...


Deixei ir, deixei estar: aposto que ele enviou mais uma dezena de mensagens bem reacionárias sobre nós dois. Respirei fundo, virei para o outro lado da cama, deixei que a vida passasse a brincar menos comigo.


Tola fui eu: noite em claro virada para a varanda. Eu devo ter secado uns 2 livros que tinham espaço na decoração da casa, sobre história do Rio de Janeiro e outro de ficção antiga. Páginas amareladas e uma cerveja, eu precisei daquilo.


Fui tateando com meus dedos os pontos secos da umidez da saliva de Stênio, como se pudesse sentir o toque da boca ali. O gosto amargo da sensação do arranhar da barba, a dose letal de realidade que me quebrava... a maior vontade que eu tinha naquele momento era de escapar e estar: Síndrome de Estocolmo, talvez eu estivesse beirando a síndrome de Estocolmo com as sensações que ele me causava.


Não, eu não ia conseguir tornar o tudo em nada, mas não me custava tentar: Não me custava, em algum momento daquela cena sentimental, escapar de uma dor futura que aquelas sensações iam me levando em tom de velejo — sei que é péssimo de assumir, mas é o que é: vi o dia amanhecer e a perspectiva daquela cidade que antes era linda, agora me assustava.


Eu. Não. Sei. Lidar. Com. Tanto. Stênio era o tanto, e sua impulsividade dava ordem para o descontrole incontrolável.


A manhã que acorda é a mesma que perturba. É a mesma que me traz de volta a todas essas perturbações e eu não sei se eu me afogo ou respiro melhor nessa situação: era uma catástrofe com gosto de alívio.


— O que é isso? — foi a única coisa que eu consegui responder.


— Uma rosa branca. — com toda cara de pau, Stênio me aparece plantado em frente ao meu chalé, pontualmente às 9h45.


— Eu sei que é uma rosa, mas a louvor de que você está me dando essa rosa? — perguntei, podre de tanta autoridade, mas de olho profundo no botão de flor todo exagerado e elaborado que ele trazia, totalmente fora da curva como ele.


— Eu não sabia se você fazia o tipo de quem gosta de flores, mas não poderia deixar de trazê-las. Eu preferia pecar pelo excesso que pela falta. – disse, me entregando e me deixando um pouco sem jeito, sem palavras, sem noção. — Por que você não tá pronta?


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