à mercê

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Eu estremeci. Meus olhos piscavam quase tão rápidos quanto meu coração batia. O mais próximo que já cheguei de um ataque cardíaco.
Minhas unhas se apertavam contra a palma com uma força, até então, desconhecida por mim.

Era como se um livro antigo e empoeirado tivesse sido aberto, despertando emoções adormecidas, como se as traças que comiam as páginas, caminhassem com seus pequenos pés sobre mim vomitando as palavras devoradas, as palavras esquecidas; fica tranquila, Cat, agora somos apenas nós.

Vi seus olhos se apertarem, me observando, me avaliando. Exatamente como naquela tarde.

Eu não conseguia formar frases, sequer. Minha boca se abria e, falhando miseravelmente, tornava a fechar, sem que dela nada saísse. Patética.

- Amiga, tudo bem? Você empalideceu, de repente. - Ana demonstrou-se preocupada, e, rapidamente, se tornou curiosa, após conferir minha temperatura  com as costas da mão. - Então vocês se conhecem? De onde?

- Da adolescência. - Francisco se apressou em responder. A voz calorosa, suave, parecia estender seus braços quentes ao meu redor, servindo mais como um abraço do que um som.

O que eu faço? O que eu falo? Merda. Pela primeira vez na noite, os sons altos e desconexos, cessaram, pelo menos, aos meus ouvidos. Eu estava à mercê de alguém que não trocou mais de uma dúzia de palavras comigo.

Sorrio sem jeito buscando esclarecer o que estava acontecendo a mim mesma.
- Bom... Nós nos conhecemos na escola. Ele sorriu e eu, oscilei.

- Ótimo, então teremos um jantar entre amigos... Bons amigos. - Os olhos dela brilharam para Matheus.

- Sim... - Tento me impor firme, quando, interiormente, parecia desmontar.

Caminhamos, desviando das pessoas, bar à dentro, buscando onde sentar, e encontramos. Uma mesa alta, semelhante à um bistrô com quatro banquetas. À essa altura, eu já podia sentir as pequenas gotículas de suor se formando nas extremidades do rosto. As pernas bambeavam e agora, que nos sentamos, batiam incessantemente contra o chão.

O clima do jantar era pesado, uma tensão palpável. Francisco e eu não nos falamos durante a noite, nos olhamos pouquíssimas vezes. Dessa forma, apenas o mais novo casal, estava encarregado de fazer os assuntos fluírem ali. Isso, no entanto, seria impossível sem a nossa interação. Ana me cutucava e sussurrava, que climão é esse? Conversa com ele, nós estamos falando. E quanto a mim? Não fazia mais do que sorrir e fingir ter tudo sob o meu controle.

Me atrevi a olhá-lo em determinados momentos. Seus olhos castanhos, que carregam uma intensidade indescritível, me encaravam, vez ou outra. Ao lado, pequenas linhas de expressão, evidenciando a ação dos anos, que, confesso, o deixaram mais bonito. Abaixo, olheiras arroxeadas, anunciando as noites mal dormidas. O cabelo, por fazer. Assim como o bigode.
E cada uma das imperfeições pareciam terem sido orquestradas para tornar o homem à minha frente, centenas de vezes, mais atraente. Pare com isso, Catarina, é o efeito do vinho, do tempo, me repreendi mentalmente.

Tudo isso era demais pra mim.

Aqueles que não ardem por nós.Onde histórias criam vida. Descubra agora