Capítulo 1 - O Mago e a Coruja

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Cidades pequenas do interior tinham uma personalidade própria. O ambiente era pitoresco, com colinas verdejantes, um bosque próximo, um riacho que logo se tornava rio. Otterwesh era um vilarejo que tinha começado a crescer depois da guerra. Os conflitos violentos com o país vizinho, o Reino de Soryn, haviam cessado há poucos anos e alguns estigmas profundos ainda marcavam a vida das pessoas.

Protegida por estar próxima da Fortaleza de Scarwood, a cidade ainda estava realizando sua recuperação e a vida das pessoas estava sendo retomada aos poucos. Ali perto, no Bosque Otterwesh, uma pessoa voltava da beira do riacho, dentro da mata. Apoiava-se em um longo bastão retorcido, a capa ocasionalmente prendendo-se nos arbustos, e carregava consigo uma bolsa com ervas, frutas e cogumelos colhidos por ali.

Uma figura peculiar voava junto dele, um pássaro que parecia gostar bastante de sumir de vista nas árvores e depois retornar, circular o jovem e pousar em algum galho próximo para esperar por ele. De capuz baixo, passos lentos, o rapaz tinha óculos redondos e o ar distante.

— Um cogumelo vai cair! — uma voz de garotinho soou de onde o pássaro havia acabado de decolar.

Dando um rasante, ele apanhou com as garras um cogumelo que havia caído da bolsa do rapaz. Soltou um guincho divertido enquanto acelerava no ar.

— Não precisava. — O rapaz resmungou, estendendo a mão para receber o mantimento de volta.

A ave era larga para seu tamanho, parecia algum tipo exótico de coruja, tinha os olhos enormes e expressivos, bico curvo e afiado. Sua plumagem era negra, com alguma variação de tom e de padrão no peito. Suas garras entregaram a comida, o rapaz a encarou por um longo momento antes de continuar andando.

— Obrigado Gillibert. — Ele disse, sem olhar pra trás.

O pássaro piscou e rodopiou no ar, alegre, antes de acompanhá-lo novamente. Os dois seguiram acompanhando o riacho, andando na direção do interior do bosque, para longe da pequena cidade de onde agora faziam parte. De vez em quando Gillibert, o filhote de coruja, fazia comentários sobre coisas interessantes pelo caminho: Ervas, flores, uma fruta, um galho traiçoeiro, sinais de animais. Raramente obtinha resposta do jovem que seguia e, em algum momento, os dois chegaram ao centro do bosque.

A casa nova deles ficava ali.

Era grande demais, com dois andares, feita de alvenaria, cheia de danos do tempo em que tinha ficado vazia. Mostrava sinais sólidos de abandono, mas não importava. Era um presente do conde Wells, e o rapaz havia sido escoltado até o casarão alguns dias antes, junto com a ave, acompanhados por uma comitiva de cavaleiros liderados pelo filho mais velho do próprio nobre.

Sinais do apreço da casa Wells por ele.

Ali perto da construção havia uma trilha que levava do terreno até a cidade. A voz da coruja soou alta na clareira da casa, cortando o silêncio:

— Mestre Isemberd, vamos à cidade hoje? Estamos ficando sem folhas de chá.

O pássaro havia pousado em um barril velho que estava ali fora. Suas garras afundaram na madeira enquanto ele se equilibrava, rachando a borda do barril velho.

— Não sei. — o jovem tirou um cogumelo cinzento e mordiscou a ponta. — Não faço questão.

— Ora, mas você gosta tanto de chá... — Gillibert o encarou com os olhos arregalados. — Ah! Espera! Já sei!

Ele saiu voando, desaparecendo de vista.

O jovem chamado Isemberd entrou em casa, com um suspiro cansado. O lugar parecia abandonado, teias de aranha ainda penduradas em alguns lugares, janelas fechadas e ar de assombrado. Ele deixou a bolsa cheia de mantimentos sobre uma cadeira, tirou as botas cheias de lama e a capa. Era magro, não tinha o porte de um guerreiro e nem era tão alto.

Tomo Sombrio - Terceira EstrelaOnde histórias criam vida. Descubra agora