Interlúdio - Dama da Floresta

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Na mesma noite em que o cavaleiro de Wells havia vindo convocar Isemberd, o mago dormiu extremamente mal. Despertara algumas vezes com febre, tontura, a sensação de perceber a magia por perto. Conseguia quase enxergar a imensa fogueira de energia misteriosa, de essência mágica, que ardia do lado de fora de sua janela.

O espírito da floresta estava chamando-o, de um jeito que somente os magos conseguiriam ouvir e responder.

Dando uma olhada para Gillibert e percebendo que ele continuava adormecido, o mago se levantou, silenciosamente. Suas mãos fizeram seu sinal mágico costumeiro e ele começou a levitar, abrindo a janela com a mesma sutileza silenciosa e voando para fora.

Ele encontrou a fonte de seu incômodo atrás da casa, na pouca grama que crescia onde ele pretendia fazer um jardim. Sentou-se na terra, de pernas cruzadas. Estava quente, ele estava usando apenas uma calça que servia de pijama e seus óculos haviam ficado no quarto.

Um sussurro começou a soar perto dele. Um som ininteligível de alguém murmurando, mais baixo que a brisa e o farfalhar sutil das folhas ao seu redor.

Isemberd fechou os olhos e formou um sinal mágico diferente. Juntou as mãos, formando um espaço oval entre os indicadores, entrelaçou os outros dedos e esticou de forma alternada um mindinho e um polegar. Visto de frente, o sinal lembrava um laço torcido.

A brisa subitamente desapareceu. Seus olhos se fecharam lentamente, contra a sua vontade, e Isemberd ouviu:

Finalmente! Achei que teria que fazer o vento arrancar um pedaço do seu telhado!

Ele se concentrou e ouviu sua própria voz respondendo, ecoando pelo reino dos espíritos:

Perdão. Estou aqui.

Claro que está!, — foi a resposta exasperada. Ele aguardou. A era voz feminina e jovem e parecia irritada. — Encontrei um problema pra você resolver pra mim.

Isemberd aquiesceu e respondeu em pensamento:

Estou ouvindo.

Há uma árvore maligna no centro da minha mata, há uns passos daqui. Ela está comendo animais e outras plantas e se alimentando de magia escura e quente.

Isemberd imaginou duas esferas de vidro. Tingiu-as em sua imaginação de laranja e preto, respectivamente.

Isso! — A voz do espírito disse, como se estivesse vendo o que eles estivera imaginando.

Preciso saber mais detalhes, se possível. — Ele pediu, sua voz mental ecoando como se visse do fundo de uma igreja.

Oras, você que é o mago aqui!

Ele suspirou.

Mas a senhorita que é o espírito do bosque. Nada acontece aqui sem que você saiba.

Uma pausa silenciosa. Um ruído divertido, uma risada, som de folhas agitando-se. A brisa retornou.

Você é bem fofo quando quer. E está com os braços bem fortes. A vida no campo tem te feito bem!

Ele abriu os olhos, quase esperando ver a donzela mimada que o espírito dizia ser. Não havia nada além da mata, na penumbra da alta madrugada sem lua.

Ainda preciso saber mais detalhes sobre a árvore amaldiçoada.

Chato!

Mãos gentis tocaram seus ombros. Isemberd aguardou.

Você certamente merece a reputação que tem. Não te cansa ter esse... negócio... pendurado em você?

Ele suspirou de novo.

Senhora, se me contar mais sobre a maldição, eu vou dar cabo dela pela manhã.

Mais uma risadinha, mais gentil e menos abrasiva desta vez.

Quanta disposição! Então está bem, meu cavaleiro sem armadura. Já disse que sempre quis ter um pra mim? Pena que você não faz o tipo...

Isemberd deixou escapar um pulso de luz escarlate. Estava sem paciência. A brisa desapareceu por um longo momento e voltou em seguida, mas o espírito manteve-se em silêncio.

Sem gracinhas. — Ele pediu, num tom sério. — Temos um acordo.

O espírito respondeu, num tom um pouco menos afetado:

A árvore parece ser consequência de ter um certo alguém por perto. Uma influência mágica poderosa... que soa pra mim como folhas mortas e uma carcaça animal sendo devorada.

O mago aguardou. Diante do silêncio sugestivo e acusador do espírito, ele respondeu, murmurando:

— Vou investigar o local antes do sol nascer.

As mesmas mãos frias tocaram seus ombros novamente, com delicadeza. Ele sentiu os olhos fechando-se novamente e o toque se afastou. Havia uma terceira presença ali, silenciosa, mas profunda, como se demandasse atenção simplesmente por estar ali.

Logo, o mago começou a ouvir os murmúrios irritados.

Pode olhar as orlas também? — o espírito pediu — Só pra ter certeza?

Ele assentiu.

Posso. Algum outro monstro tem aparecido perto do seu território?

Mais uma risadinha, seguida do som gentil do vento soprando. A resposta veio em tom de deboche, e o som ecoante da voz feminina abafou os murmúrios furiosos da terceira presença:

Não, querido cavaleiro. Nem sangues-sugas, nem mortos ambulantes, nem as outras muitas coisas que você pediu pra vigiar. Só essa árvore-monstro.

Isemberd respondeu:

Muito obrigado.

Você certamente ficaria muito bem de armadura...

Outro pulso de luz escarlate. Desta vez, até o murmúrio sombrio fez silêncio.

Aiai, que moço entediante! — uma pausa seguida de um adendo — Desculpe perturbar seu sono!

Ele sentiu as mesmas mãos tocando-o nos ombros novamente. Transmitiam apoio genuíno, com uma pitada de dó.

Não se preocupe. Meu sono nunca é bom.

Também... com um monstro desses pendurado em você.

Ela pareceu hesitar e a brisa hesitou com ela.

Queria muito poder ajudar você. — O tom era genuinamente preocupado.

Pego de surpresa pelo sentimento que o espírito transmitiu, Isemberd suspirou.

Você já faz muito. Não se preocupe quanto ao meu problema. Estou me acostumando.

Isemberd sentiu um toque sutil em seu rosto, um beijo gentil de lábios frios em sua bochecha.

Vou estar com você amanhã, meu cavaleiro. Mesmo que não me veja.

Ao abrir os olhos, ele jurava ter vislumbrado uma jovem de vestido branco se esgueirando de volta para a mata. Uma longa cabeleira ruiva sumindo entre as árvores.

O mago alongou o pescoço e levitou novamente. Voou até sua janela e entrou para o quarto. Calado, desfez seus sinais mágicos, alongando os dedos e massageando as mãos, pousou em sua cama e virou-se para a parede, fechando os olhos.

Gillibert continuava, aparentemente, adormecido.

Os sussurros irritadiços e ecoantes em seus ouvidos não pararam nem por um segundo, nem mesmo quando ele adormeceu pelas poucas horas que tinha. Teve seu sono de sempre, com pouco descanso, pesadelos e vozes furiosas vindas do além.

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⏰ Última atualização: 6 days ago ⏰

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