𝐂𝐡𝐚𝐩𝐭𝐞𝐫 𝐓𝐰𝐨: 𝐏𝐫𝐚𝐜𝐭𝐢𝐜𝐞

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[TREINO]

Reviro-me um milhão de vezes, tentando acalmar o meu cérebro acelerado.
Não consigo parar de pensar no que a minha mãe me disse. Não consigo imaginar o pesadelo de ser enviada para o exterior das muralhas.

Olho para as paredes do quarto e paro o olhar num dos vários posters colados numa delas.
Recordo-me do dia em que vi o papel esvoaçar ligeiramente no Recinto. Assim que todos os alunos se deslocaram aos balneários, uma versão mais nova de mim trepou as bancadas e arrancou a imagem, levando-a às escondidas para o seu quarto.

Regresso ao presente e admiro o poster.
Na imagem está uma rapariga a disparar uma flecha com um arco de madeira maciça, mantendo uma postura firme e confiante.
Em baixo dela estão os símbolos dos cinco diferentes grupos de Habilidades, e em cima há uma frase: "Fora das muralhas podes salvar o mundo!" e em baixo está escrito: "Luta por uma Cura. Luta por Lusting. Luta pela Humanidade."

As palavras deixam-me a pensar.
Todos em Lusting desejam ter habilidades suficientes para serem enviados para fora das fronteiras, pois sempre nos foi dito ser por uma causa maior: a Cura.
No entanto, eu não me enquadro, já que o que para uns é um sonho, para mim é um pesadelo.
Não consigo entender a ideia de continuar a enviar adolescentes para o perigo eminente, sendo que nunca houve resultados positivos nisso. Não entendo como é que os outros conseguem abdicar da sua própria vida, por algo que nem sequer têm a certeza de que existe.

A imagem desperta algo em mim, e obriga-me a levantar-me. Decido ir para o Recinto.
Mesmo que a minha mãe possa estar enganada, e eu não seja enviada, prefiro ter a certeza de que estou preparada para lutar caso seja necessário.

Puxo o cabelo até ao topo da minha cabeça e ato-o num rabo de cavalo. Visto umas das calças empilhadas num canto do quarto, assim como uma camisola que resgato do monte de roupa. Posiciono a minha faca na bolsa que tenho nas calças e finalmente agarro nas sapatilhas. Desço descalça para fazer o mínimo de barulho possível, e não acordar os meus pais nem a minha irmã. Não quero que eles saibam que saí de casa de madrugada para ir ao Recinto.
Fecho a porta com o máximo cuidado e calço-me.

Após cerca de 5 minutos a caminhar, passo o meu cartão de identificação na entrada do Recinto, desbloqueando as grandes portas de vidro que me permitem aceder ao interior do edifício, logo guardando-o no bolso das calças.
Dirijo-me ao salão de luta, e vejo o tapete que me amorteceu as quedas algumas horas antes, mas não me desloco até ele.
Em vez disso, vou até à parte dos sacos de boxe.

Abro um armário e tiro um par de luvas, prontas para acolher as minhas mãos.
Olho para o saco e aproximo-me dele.
Começo por lhe desferir alguns golpes, parando às vezes para o imobilizar. Quando me apercebo, sou inconscientemente preenchida com a possibilidade de ter de abandonar o meu lar em algumas horas.

Paraliso. Engulo em seco. Pisco os olhos várias vezes, tentando apagar a imagem da minha mente.

— Sabia que o boxe não era o teu forte, mas nunca reparei que eras assim tão terrível. — A voz familiar do Kai preenche-me os ouvidos, e eu viro-me para o encarar.

O Kai foi dos meus primeiros amigos de infância, e mantém-se até hoje. É um ano mais velho do que eu, e foi ele que me apresentou o Recinto, as suas salas, balneários e alunos.
Ele enfrentou a Seleção no ano passado, como um dos melhores Combatentes do seu ano, mas para minha felicidade, não foi selecionado.
É, até hoje, o único adolescente que eu conheço, que também repulsa a Seleção, e que concorda que não faz sentido sacrificar jovens por uma suposta Cura.

𝐏𝐑𝐎𝐉𝐄𝐂𝐓 𝐕𝐈𝐕𝐄𝐍𝐓𝐈𝐒Onde histórias criam vida. Descubra agora