Estavam ali, deitados no carpete da sala conversando sobre seu dia, sobre a vida, sobre reflexões em geral. Como sempre faziam no domingo à noite, quando se deixavam vencer pela preguiça e pela tristeza do final do fim de semana.
Mesmo com o excesso de melancolia no ar pelo encerramento do domingo, a discussão se mantinha fervorosa sobre uma crise existencialista em que eles se encontravam, Mingi tinha comentado algo sobre a visibilidade de minorias, ou algo assim e Yunho sentiu-se inspirado.
— Eles deviam saber que nós existimos e que somos seres humanos também e que merecemos ser vistos, ouvidos, tanto quanto qualquer outro. — Disse e seus olhos se encheram de esperança.
— Nós precisamos ser vistos para existirmos, Yunho? — perguntou Mingi.
— Não necessariamente, mas é direito nosso...humanidade como um todo, entende? De andar por aí, seguros, confiantes, sentindo que fazemos parte do mundo...
— E quem quer fazer parte desse mundo? Eu mesmo não! Essas pessoas são falsas, qualquer cidadão médio coreano...na verdade, qualquer cidadão de todo o planeta sabe que a vida hoje em dia não é nada se você não tiver um status, uma reputação...são pessoas vazias de significado.
Yunho permaneceu em silêncio por alguns segundos observando o teto, digerindo as palavras de Mingi e refletindo sobre o quão fácil você pode enxergar os defeitos da sociedade se parar para observá-la por cinco minutos, ou até menos.
— O que quer dizer com significado, Mingi? — perguntou, querendo ouvir os pensamentos daquele que amava.
— Seu significado ué, quem você é...a sua alma. Acho que todos temos uma face que mostramos ao mundo, mas você tem todo o direito de ser verossímil a quem você é, mesmo que um pouco...pode ser fiel às suas próprias escolhas e vontades, por quê não o fazer?
O loiro riu um pouco ao ouvir aquilo e se identificar com a realidade daquelas palavras, pensou em seus pais que brigavam demais, mentiam sobre seus sentimentos verdadeiros e se deitavam com outras pessoas. Mas o contrato social que haviam assinado os mantinha seguros, os dava um passe para um mundo social onde a infidelidade não era algo preocupante e quem você é não importa de verdade, nesse lugar eles encenavam um teatro de sombras, fingindo ser uma família feliz e amorosa.
Vai ver ninguém naquela casa era feliz pelo mesmo motivo, o pai de Yunho mentia quando saia de casa para se encontrar com sua amante, a mãe dele mentia sobre estar feliz e ele fingia que era hétero por medo de se assumir.
Motivações diferentes mas a mesma situação...
— É...você tem razão, mas ainda seria legal se eu tivesse pelo menos o direito de escolher se quero fazer parte ou não — Disse Yunho por fim.
Mingi ficou em silêncio, sentiu-se preso em sua própria ideia, Yunho se virou para ele, que fez o mesmo e lá estavam ambos olhando um nos olhos do outro, aquilo sim era verdadeiro.
Todo o amor sincero que se acostumaram a ter presente todos os dias, bem ali, como uma atmosfera ao redor do pequeno planeta em que apenas os dois transitavam.
Mingi era o tipo de pessoa que olhava para o céu e desejava que um meteoro caísse na terra só para ver como as pessoas reagiriam a ele. Gostava de estudar situações do cotidiano, emoções, qualquer coisa que pudesse ser transformada em música, poesia, escrita, desenhos. Qualquer arte que fosse, era um artista, precisava ter a sua essência em algo físico.
Já Yunho era um bebê, para quase todos os sentidos, engatinhava sempre para algo maior. Tinha admiração por toda e qualquer coisa, por isso se afeiçoava a pessoas muito rapidamente, seu namorado sempre o enxergava como alguém muito ingênuo. Não era atoa que no primeiro encontro dos dois, Mingi sabia que ele era uma pessoa rara de se encontrar nos dias atuais.
Não demorou tanto para o mais novo começar a presentear o loiro com desenhos, pinturas, poemas e bem de vez em quando alguns presentes feitos à mão, fazendo com que Yunho se apaixonasse cada vez mais a cada pequeno presente que lhe era entregue. Hoje em dia eles tinham um armário de seu quarto separado apenas para guardá-los.
O silêncio estava começando a parecer muito ensurdecedor.
— Não é uma boa ideia pensar sobre isso num domingo de noite, vamos deixar essa conversa pra outro dia, hm. — Mingi falou.
— Eu tô tranquilo, amor. Só fico preocupado com a sua cabeça depois de matutar sobre todas essas coisas. Como vai a terapia? — perguntou com uma ironia intrínseca à frase.
O outro deu uma risada porque sabia que era uma piada mas também porque por incrível que pareça a terapia não estava tão ruim. Problemas vez ou outra aparecem mas no geral ia bem...mas claro que aquela pergunta não ganharia uma resposta séria.
— Então...da última vez eu bati na psicóloga e sai correndo do consultório, atropelei uma velha no caminho pra casa e sequestrei um cachorro Golden retriever. — disse com um sorriso.
Risadas preencheram o cômodo, Yunho já estava dando risada antes mesmo dele começar a falar.
— Sério? E cadê ele? Um cachorro grande como esses deve ser difícil de esconder.
— Ah, pode ter certeza! É um cachorrão. — Falou soltando uma risada anasalada.
Poucos segundos depois Yunho percebeu que seu namorado havia acabado de o chamar de cachorrão, sentiu-se lisonjeado e então ofendido.
— Seu ridículo — ofendeu o namorado, mas a risada continuou.
Não era a primeira vez que Yunho era comparado com um cachorro...mas o que poderia fazer? Realmente havia semelhanças.
Enquanto os risos de ambos cessavam aos poucos, a atmosfera amorosa se mantinha presente o tempo todo, como um leve cobertor aquecendo os corações dos amantes.
— Não quero ir pro trabalho amanhã — o loiro choramingou fazendo Mingi rir um pouquinho novamente.
Yunho foi puxado gentilmente para um abraço quentinho e acolhedor de seu namorado, que afagou o seu cabelo gentilmente enquanto acomodava a cabeça dele em seu peito.
Mingi reconhecia a dificuldade de se manter em um emprego monótono e que diversas vezes você tem uma vontade severa de sair correndo. Nenhum dos dois passava dificuldades sozinho.
O artista do casal gostava de se chamar de autônomo das artes, era capaz de compor e produzir músicas para diversos idols, também gostava de praticar dança e pintar, apenas a poesia que ele escrevia sempre ia parar nas mãos de Yunho, mas ocasionalmente ela era postada em algum site da web.
Enquanto isso, Yunho era um nato comunicador, o que o garantiu um emprego como engenheiro em uma construtora, grande sorte de poder exercer o trabalho que estudou para ter. Mas obviamente, já que nem tudo são flores, seu chefe era especialmente insano, e não conhecia muito bem as leis trabalhistas da Coreia, só que por enquanto o salário caindo na conta parecia suficiente para esquecer tal preocupação.
— Como tá indo aquela obra que tinha um poço enorme, Yuyu?
— Nossa, eu nem te conto...
E então, outro assunto começou no cômodo. Com esses dois sempre é assim, são capazes de manter a conversa fluindo por horas e horas, não é atoa que sempre se perdiam no relógio.
Alguns minutos, talvez horas, depois saíram do chão da sala onde estavam deitados e foram se ajeitar para dormir, um deles tinha que trabalhar logo na manhã seguinte e o outro tinha um longo dia no estúdio pela frente.
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Unknown - Yungi
FanfictionMingi é um artista de diversas esferas, cantor, dançarino, desenhista e poeta, mas seu melhor trabalho e seu atual ofício é a composição e produção de músicas. Enquanto seu namorado, Yunho, é um engenheiro civil, cuja melhor habilidade além da capac...