4. We Are The Walking Dead

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A caminhada continuava a passos lentos. Não havia uma pessoa ali que não estava desidratada, queimada pelo sol e faminta. 

Pararam em um pedaço de estrada onde havia alguns carros largados, mas mais uma vez, não encontraram nada muito útil. Enquanto vasculhava, Beth percebeu um som vindo do porta-malas de um dos carros. Ela se aproximou e o abriu, revelando o corpo apodrecido de uma mulher, uma morta-viva. Ela tinha os pés e as mãos amarradas, estava amordaçada. Maggie, parando ao lado de sua irmã, viu a mulher naquelas condições e pegou sua faca para matá-la.

— Eu faço isso — interrompeu Beth, sua voz soou ríspida. A expressão de Maggie, preocupada e perturbada, contrastava com a determinação de Beth. Maggie se afastou ligeiramente, dando lugar à sua irmã mais nova.

Ao se aproximar com a sua faca em mãos, Beth sentiu vontade de chorar, mas suas lágrimas haviam secado. A visão daquela mulher fazia com que ela se lembrasse da noite angustiante em que estivera trancada em um porta-malas com Daryl Dixon. Fora uma das piores noites de sua vida, mas estranhamente, ela sentiu saudades; não do desespero ou da fuga, mas da companhia. Sentia falta de estar perto dele. Os dois haviam vivido dias em um mundo só deles.

Enquanto esse sentimento estranho reverberava por todos os seus nervos, uma dor profunda pela vida perdida daquela mulher também a consumia. Ela sabia que todos aqueles seres, os walkers, estavam sofrendo, mesmo que inconscientemente. Suas almas estavam aprisionadas em corpos definhados, em mentes monstruosas comandadas por sentidos menos racionais que os animalescos.

Então, ela deu o golpe final, se sentindo grata por ter a chance de que fossem suas mãos que finalmente libertariam aquela alma cativa. A dor e a perda estavam ainda presentes, mas havia algo de reconfortante em poder oferecer um fim digno àquele sofrimento.

Mais tarde, todos se sentaram às margens da estrada sob a sombra confortável e conveniente de uma árvore. Beth segurava Judith no colo, que vez ou outra resmungava, indicando que estava ficando com fome novamente. Daryl saiu dentre as árvores; a expressão de irritação que ele tinha quando se refugiou lá já havia dado lugar à mesma de sempre, uma que era indecifrável. Ele se aproximava enquanto Abraham tirava uma garrafa do bolso — uísque. Beth e Daryl se entreolharam rapidamente, e a noite em que Beth havia bebido pela primeira vez veio à mente de ambos.

Quebrando o silêncio repentinamente, uma matilha de cães saiu da floresta a latidos e rosnados. Os cães não pareciam ser nada amigáveis. Beth apertou Judith em seus braços e se esquivou. Sem hesitar, Sasha silenciou os latidos raivosos a tiros. Ninguém esboçou reação; naquele ponto, o cansaço havia deixado todos apáticos. Então Rick se levantou e começou a montar uma fogueira. Só ali Beth se deu conta de que estavam prestes a comer os cães. Em sua vida na fazenda, a antiga Beth teria sentido repulsa, mas a nova Beth, a Beth que havia despertado para este novo mundo, essa estava grata.

*

Os pés voltaram a caminhar, até que pararam ao notar algo realmente estranho à frente. Eram garrafas de água limpa, acompanhadas de um bilhete escrito à mão. Se aproximaram e Rick leu o papel. "De um amigo". Todos começaram a olhar em volta, procurando algum vestígio do benfeitor. Não havia sinais de que alguém estava por perto; Rick e Daryl se entreolhavam desconfiados. 

Tara fora a primeira a ceder, dando a entender que deveriam simplesmente aceitar o presente. — O que mais podemos fazer? — perguntou, deixando a sede falar mais alto do que a racionalidade.

— Não isso — Rick respondeu com firmeza. — Não sabemos quem deixou.

— Se for uma armadilha, já caímos nela. Mas prefiro pensar que foi um amigo — constatou Eugene. A essa altura, até mesmo a mente mais racional e estratégica do grupo já havia se deixado levar pelo cansaço.

— E se não for? E se tiver alguma coisa na água? — Carol parecia tão cautelosa quanto Rick em relação ao presente.

Eugene rapidamente se abaixou, pegando uma das garrafas e começando a abri-la, a fim de beber. Gritos perguntavam o que ele estava fazendo. Ele respondeu firmemente: — Controle de qualidade. — disse.

Beth havia ouvido sobre a covardia de Eugene, mas naquele momento se questionou se ele era realmente o homem mais covarde, já que estava parecendo tão valente ao se colocar em risco para que os outros soubessem se a água estava boa.

Antes que Eugene pudesse beber, Abraham deu um tapa em sua mão, fazendo com que a garrafa caísse. Os dois não se falavam mais devido às mentiras de Eugene, mas mesmo com raiva Abraham ainda se importava com ele. Isso era visível.

— Não podemos — afirmou Rick, determinado; era uma ordem.

O céu rugiu. O sol estava prestes a ser coberto por nuvens espessas e escuras, e a chuva começou a cair. Uma felicidade genuína tomou conta do ambiente. Porém, a alegria durou muito pouco. Naqueles dias de sol escaldante, a chuva seria uma bênção, mas agora estava se tornando uma tempestade e se não achassem um abrigo, logo a bênção se transformaria em maldição.

— Vamos continuar andando! — Rick exclamou.

— Tem um celeiro! — gritou Daryl, já se movendo enquanto o grupo o seguia.

*

Montaram uma pequena fogueira do lado de dentro e se sentaram em volta dela. Beth estava recostada na parede, em um cantinho próximo de Rick, cujo o olhar preocupado focava em Carl e Judith, que dormiam ao seu lado.

— Ele vai ficar bem — Carol afirmou para Rick, em relação a Carl. — Vai se recuperar melhor do que qualquer um de nós.

— Eu costumava sentir pena das crianças que teriam que crescer agora, nesse mundo — Rick disse com os olhos fixos no fogo. — Mas acho que entendi errado — continuou. — Eles crescem se acostumando com o mundo. Isso é mais fácil para eles.

— Isso não é o mundo — Michonne discordou. — Não é.

Rick torceu a cabeça, pensativo.

— Até que tudo mude, é com isso que vamos ter que conviver — concluiu. Um silêncio melancólico se instaurou, até que Rick voltasse a falar. — Quando eu era criança, perguntei ao meu avô se ele tinha matado alemães na guerra. Ele não respondeu. Disse que isso era coisa de adulto. Então eu perguntei se os alemães já haviam tentado matá-lo. Mas ele ficou muito calado. Disse que morreu no minuto em que colocou os pés no território inimigo. Todos os dias ele acordava e dizia para si mesmo: "Descanse em paz. Agora, fique de pé e vá à guerra." E depois de alguns anos fingindo estar morto, ele saiu de lá vivo. Esse é o truque, eu acho. Nós fazemos o que temos que fazer e depois podemos viver — Todos prestavam atenção ao discurso; era um momento importante, eles sentiam o peso daquelas palavras. — Não importa o que encontraremos em D.C., eu sei que ficaremos bem. Porque é assim que nós sobrevivemos. Nós dizemos a nós mesmos que somos eles, os mortos que caminham.

Todos se entreolharam, refletindo sobre as palavras do líder, mas Daryl parecia perplexo.

— Nós não somos eles — disse ele. Rick lançou um olhar compreensivo a ele.

— Nós não somos eles — o líder repetiu, colocando seu rosto na visão de Daryl, que não o olhava. — Ei — Daryl finalmente fez contato visual. — Não somos.

— Não somos eles — Daryl se levantou, repetindo sua frase mais uma vez antes de sair.



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