Capitulo 22

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O salão estava quieto. Marta, sozinha no centro, ela contemplava o vazio à sua frente. Hunter havia partido, deixando para trás apenas o eco de sua escolha final. A escuridão ao redor parecia se fechar sobre ela, mas Marta não se mexeu. Seu olhar permanecia fixo no nada.

De repente, o silêncio foi interrompido por um som, como o balançar de folhas ao vento. Da penumbra surgiu uma figura, um homem alto, envolvido em um manto que parecia fundir-se com a escuridão ao seu redor. Seus olhos, profundos e misteriosos, brilhavam com um conhecimento que transcendia o tempo. Ele era a personificação do Destino.

"Você sempre esteve aqui, não esteve?" Marta perguntou, sua voz baixa e sem surpresa.

O homem sorriu, aproximando-se dela com passos leves. "Sempre, Marta. Assim como você, eu também tenho meu papel a cumprir."

Marta desviou o olhar "Ele fez a escolha, mas... as consequências são incertas. Será que era o caminho certo?"

Ele se aproximou mais, parando ao lado dela. Com um gesto gentil, ele estendeu a mão, tocando o ombro de Marta. "O que é certo ou errado depende de perspectivas. Você sabe disso melhor do que ninguém. Nosso papel não é julgar, mas garantir que cada fio seja tecido no grande tapete da existência."

Ela permaneceu em silêncio por um momento, absorvendo as palavras dele. Havia algo reconfortante na presença de dele. "Às vezes, me pergunto se eles compreendem o que está em jogo," ela murmurou, a tristeza em sua voz agora evidente.

Destino inclinou a cabeça, seu olhar era compreensivo. "Talvez não agora, mas o tempo os ensinará. As escolhas que fazem, as dores que suportam, tudo isso os molda. E, no final, todos encontramos nosso lugar na ordem das coisas."

Marta suspirou, o som carregado de sabedoria. "Você sempre foi bom em encontrar consolo nas incertezas."

"É o que faço," Destino respondeu com um sorriso tranquilo. "E é por isso que estou aqui. Para lembrá-la de que, apesar de tudo, o fluxo do tempo é constante, e cada evento tem seu propósito."

Marta, lentamente, foi encontrando conforto nas palavras dele. "Obrigada."

Ele deu um passo para trás, o sorriso ainda presente em seus lábios. "Sempre que precisar, estarei por perto. Afinal, nosso trabalho nunca termina."

Com isso, a figura de Destino começou a desaparecer na escuridão, sua presença ia se dissolvendo. Marta permaneceu no salão, sentindo o eco de suas palavras. A quietude voltou a envolvê-la, mas dessa vez, não era tão pesada. Ela sabia que, independentemente do que viesse, estava pronta para enfrentar o que o destino lhe reservava. (?)

O ambiente ao redor de Marta começou a mudar, como se o próprio tecido da realidade estivesse se desdobrando para revelar algo mais antigo, mais profundo. Ela não precisava fechar os olhos para sentir a transição. O salão sombrio onde estava há momentos antes desapareceu, dando lugar a um cenário muito diferente.

Ela se viu em um campo aberto, envolvido por uma névoa sobre o solo. Ao longe, as silhuetas de casas pequenas que formavam um vilarejo, suas construções de madeira e pedra. O cheiro de fumaça no ar era forte, o odor da terra úmida e de algo mais: o medo.

Marta caminhou pelo vilarejo, seus passos leves e silenciosos como um sussurro. As pessoas passavam por ela sem notar sua presença, cercadas em suas próprias preocupações, sussurrando sobre algo terrível que estava prestes a acontecer. Ela sabia exatamente o que aquilo significava. Esta era uma época de terror e ignorância, onde a simples suspeita de alguém ser uma bruxa poderia condená-lo à morte.

Enquanto se aproximava do centro do vilarejo, um círculo de pessoas se formava ao redor de uma grande estaca de madeira fincada no chão. A multidão estava agitada, cheia de ódio. Marta sentiu uma onda de emoções familiares, como um eco do passado que ela havia trancado em algum lugar profundo de sua memória.

No centro do círculo, acorrentada à estaca, estava uma jovem mulher, com olhos arregalados e o rosto pálido. Seu corpo tremia, mas não de frio, e sim de medo. Marta reconheceu o olhar a jovem, era de alguém que sabia que o fim estava próximo, mas que ainda tinha esperança de algum tipo de salvação.

A multidão começou a gritar, palavras duras e cruéis que se misturavam. A jovem mulher, chamada de 'bruxa', manteve-se firme, seu olhar encontrando o de Marta por um instante. E então, do meio da multidão, um pequeno garoto surgiu correndo.

Ele não tinha mais do que seis ou sete anos, seus cabelos eram pretos como a noite, e seus olhos, grandes e brilhantes, refletiam uma inocência. O garoto correu para a frente da estaca, posicionando-se entre a jovem mulher e a multidão. Seu rosto estava cheio de determinação.

"Ela não é má!" o garoto gritou, sua voz alta e clara, cortando o caos ao redor. "Ela só quer ajudar as pessoas! Vocês estão cometendo um erro!"

A multidão parou por um momento, mas logo os gritos e xingamentos voltaram. Marta, observando a cena, sentiu algo que ela não sentia há muito tempo: empatia.

O garoto virou-se para a mulher acorrentada, lágrimas correndo por seu rosto jovem. "Não deixe que eles te machuquem," ele sussurrou, quase implorando. "Eu acredito em você."

A mulher, com os olhos cheios de lágrimas, sorriu para o menino, uma expressão de gratidão e tristeza. Mas antes que pudesse responder, a multidão avançou, afastando o menino e o empurrando para longe, preparando-se para cumprir o julgamento cruel.

Foi nesse momento que Marta sentiu a realidade ao seu redor começar a desmoronar. A cena, o vilarejo, as pessoas, tudo começou a desaparecer, como se fosse um sonho que estava chegando ao fim. Ela piscou, e quando abriu os olhos novamente, estava de volta ao salão sombrio, sozinha.

Mas a experiência a havia tocado profundamente. Marta levou uma mão ao peito, sentindo a pressão do que acabara de vivenciar. Aquela jovem mulher... ela conhecia aquela dor. Aquela lembrança não era apenas uma visão de um passado distante, mas uma memória. Ela já havia passado por aquilo.

E agora, de volta à realidade, Marta entendia. Aquele garoto, com seu coração puro e palavras de conforto... ainda havia algo de bom no mundo, mesmo em meio à escuridão.

"Mesmo no pior dos momentos, sempre há luz," Marta murmurou para si mesma, absorvendo o que acabara de relembrar. A caminhada dela, como a personificação da Morte, sempre foi solitária, mas momentos como esse a lembravam de que havia mais em seu papel do que simplesmente guiar almas para o além. Havia também uma responsabilidade em manter viva a chama da esperança, mesmo quando tudo parecia perdido.

Ela deu um último olhar ao salão antes de desaparecer novamente, sua presença fundindo-se com as sombras enquanto se preparava para o próximo desafio que o destino lhe reservava.

Entre Destinos e AmoresOnde histórias criam vida. Descubra agora