Capítulo 2 - Metanol

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Nem sei que horas eram, a hora que o Paulo me acordou. Só sei que já era manhã, porque as frestas da mesa indicavam isso. Ele começou a dar socos na mesa para se certificar que era seguro sair. Como não ouvimos nenhum barulho do lado de fora, deu pra concluir que já era hora de sair dali.

- Anda Nega, ta na hora de iniciar o dia! Ainda temos muito o que fazer. Tá vendo essas frestas? Significa que a madeira aqui tá mais fraca, mas mesmo assim é uma madeira boa, porque aguentou um monte deles e não cedeu. Então, a gente vai ter uma única chance de chutar e sair daqui hoje, por causa do barulho. No três você vai chutar com os dois pés com muita força, tá? 1, 2, 3!

Para nossa sorte, o fundo da mesa se soltou e pudemos sair dali. O Paulo saiu primeiro para verificar se estávamos sozinhos na loja, em seguida eu fui abrir a gaveta para pegar nossas coisas e sair dali o mais rápido possível. ão dava pra saber o que teríamos atraído com aquele barulho.

Corremos para a Avenida Centenário, para retomar o que estávamos fazendo ontem: procurar por Metanol na antiga fábrica da MTL Química.

Quando já estávamos a poucos passos da fábrica, vimos a porteira se abrir com toda a força e uma caminhonete sair no sentido contrário ao nosso cantando pneus, e uma multidão de zumbis correndo atrás dele. Ficamos parados e encostados na parede, pra que nenhum deles nos percebesse ali, até que mais ninguém saiu da fábrica.

Andávamos cada vez mais devagar, conforme fomos chegando perto da Fábrica.

- Será que tem mais zumbis lá dentro? Será que ainda tem metanol? - sussurrei.

Antes que o Paulo pudesse me responder, ouvimos uma batida. Vimos a caminhonete beijando o poste - a cerca de 2km da gente - e o motorista sair correndo, deixando a porta da caminhonete aberta e tudo o que poderia ter nela.

Hoje em dia isso é "normal": ou você se salva ou você vira zumbi. Não existe a possibilidade de salvar o que tem com você.

Enquanto eu divagava nesta ideia, Paulo pegou os binóculos da minha mochila para tentar ver o que tinha na caminhonete e eu quase dei pulos de alegria quando ele disse que ela estava carregada de metanol.

Confesso que fiquei aliviada de não precisar entrar na fábrica. Entrar em lugares escuros e com grande probabilidade de ter zumbis dentro definitivamente não é o meu hobby favorito.

Não demorou muito para a rua ficar vazia - com somente nós dois e a caminhonete. (A vantagem de presenciar uma evento destes é que não sobra um zumbi para trás. Todos vão à caça). 

Fomos até ela e pegamos dois galões de metanol cada, porque era o que dava para levar.

- Amanhã a gente volta e pega o resto com o carro. - Disse Paulo já andando apressado com os galões na mão.

Andar de carro era um luxo que não nos permitíamos. Qualquer pessoa viva àquela altura do campeonato já sabia que o barulho chama a atenção deles. Utilizávamos o carro só quando era realmente necessário, em caso de mudar (de novo) de cidade ou algo do tipo.

Olhei para o céu ensolarado, respirei fundo e comecei a caminhada ao lado do Paulo. Seria um longo dia até chegar à casa em que estávamos refugiados. Um longo dia.

Sempre lembro que, antes dessa tormenta toda começar, eu usava o carro até pra ir na padaria do outro lado da avenida, era extremamente preguiçosa. "Quem me viu e quem me vê".

Hoje eu passo o dia todo caminhando ao lado do Paulo, buscando suprimentos. Gosto assim, nós dois juntos, tomando conta um do outro. Até mesmo porque não é uma opção deixar ele sair sozinho e COM certeza ele pensa o mesmo sobre mim, com a exceção do porquê. Eu não duraria um dia by myself.

Eu piraria caso o Paulo não voltasse em no máximo dois dias e meio. Sei disso, porque da última e única vez que ele me convenceu a ficar em casa, ele demorou tudo isso para voltar e, quando chegou, precisou ficar grudado em mim pelo menos vinte e quatro horas, até eu me acalmar.

Se for pra morrer, que seja juntos ou então que eu vá primeiro, sem ele eu não funciono nesse mundo. Não mesmo!

Estávamos quase perto de casa, cerca de 15 ou 16 quarteirões mais à frente, quando percebemos que o sol estava se pondo. Andar a noite, de novo, era impensável! Procuramos por uma casa onde pudéssemos dormir sossegados.

O bairro em que a gente estava era nobre, desses que antes eu sonhava em ter uma casa enorme para morar (e hoje só penso no trabalho que dá para verificar se ela está vazia mesmo). Vasculhamos tudo: estávamos sozinhos.

Não conseguimos achar a chave da porta, o que nos fez empurrar um sofá pesado para trancar a porta, e logo achamos comida e bebida. Aliás, por incrível que pareça, os filmes estavam errados em relação a comida. Isso, ou a população desenvolveu um apetite por carne humana muito rápido.

Comida e água era faceis de encontrar, pelo menos neste bairro. Ah! Meu "muito obrigada" para quem inventou a comida enlatada.

Após nossa refeição e umas boas taças de vinho, meu amor me disse para eu descansar em um dos quartos no andar de cima, pois aquela noite seria tranquila.

- Vou ficar aqui embaixo para ter certeza que nada entre. Leva uma faca, e não esquece de trancar a porta.

Eu, que já estava sonolenta e um pouquinho alterada por conta do vinho, subi sem fazer nenhum drama (por ele ficar ali embaixo sozinho), escolhi a cama mais fofa e apaguei.

Tive um sonho bom, maravilhoso, até que acordei.

Apocalipse Zumbi: Minha História.Onde histórias criam vida. Descubra agora