• Desdem •

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(JASMINE)

Na manhã seguinte, segui a mesma rotina do dia anterior, mas algo dentro de mim clamava por mudança. Escolhi uma wide leg jeans, uma blusa de gola alta branca e uma jaqueta marrom escuro, esperando que essas escolhas pudessem refletir o que meu coração ansiava: novidade, frescor, qualquer coisa que quebrasse a monotonia.

Ao entrar na sala, meus pés me guiaram automaticamente para o mesmo lugar de ontem, mas minha mente estava longe, num turbilhão. Era dia de aula de artes, uma das poucas matérias que fazia meu coração bater mais forte, me lembrando de que eu estava viva.

Enquanto organizava meu caderno e estojo sobre a mesa, algo – ou melhor, alguém – capturou minha atenção de uma forma irresistível. Era o garoto tímido que havia despertado um sentimento novo em mim no dia anterior. Por mais que eu tentasse me concentrar em outra coisa, meus olhos insistiam em procurá-lo. Seus olhos castanhos, profundos e misteriosos, brilhavam de um jeito enigmático, como se escondessem segredos. E Havia uma intensidade neles, realçada pelos óculos redondos que ele usava, que faziam meu coração bater num ritmo descompassado.

Ele era alto e magro, vestindo uma calça preta e uma blusa de frio azul que contrastava com os tênis brancos impecáveis. Mas o que realmente me cativou não foi sua aparência – embora ela tivesse seu charme – mas sim a aura de profundidade que ele carregava, como se escondesse um universo inteiro sob aquela superfície calma e reservada.
Eu sabia que ele era excelente em matemática, mas algo me dizia que havia muito mais ali do que os números podiam revelar.

Ele passou por mim e, com um simples gesto de cabeça, me cumprimentou antes de se acomodar na cadeira atrás de mim. O ambiente ficou silencioso, apenas eu e ele, e um silêncio que parecia gritar em meus ouvidos.

Peguei o lápis e comecei a fazer rabiscos, deixando minha mente vagar. Quando dei por mim, tinha desenhado uma gatinha. Ela tinha uma mancha em formato de coração no peito; o rabo, o focinho e as pontas das orelhas também estavam salpicados com manchas da mesma cor. Aquele desenho era, sem dúvida, a minha gata. Ela sempre foi parte essencial da minha vida. Dizem que os pets se assemelham a seus donos. Ela era minha versão felina: quieta, raramente miava, mas seus olhos sempre estavam atentos, e seus passos, suaves. Ela buscava carinho, mas de uma forma sutil e espontânea. Há oito anos, ela está ao meu lado, sendo minha companheira em todos os momentos, tristes ou felizes, com seus olhos azuis e pelos brancos manchados de marrom.

– MEU DEUS, É A ALICE! – Dani exclamou, saltitando de alegria ao ver o desenho. Levei um susto com a reação dela e me afastei para que ela pudesse ver melhor. Eu havia esquecido desse detalhe: Dani era completamente apaixonada por gatos. Ela pegou o desenho com todo o cuidado, analisando cada detalhe. Em seguida, tirou uma foto com o celular, guardando-a para si, antes de me devolver o desenho.

– Desenha o Milk-Chan para mim? – ela pediu, com os olhos brilhando de empolgação, quase implorando. Eu sorri e acenei com a cabeça, concordando.

– OBRIGADA, AMIGA! – Ela me envolveu em um abraço rápido e apertado, me causando um leve desconforto, mas que logo se dissipou ao ver sua alegria.

Aos poucos, a sala foi se enchendo. Embora fosse apenas meu segundo dia de aula, eu já estava me acostumando com a bagunça e as vozes altas. O barulho era tanto que ninguém notou a chegada da professora, que já estava na sala há uns dez minutos, organizando seus materiais.

Danny, Lívia e o garoto de áurea misteriosa estavam no centro da sala, conversando e rindo, mas sem causar alvoroço. Quando percebo, a professora já está em pé, esperando pacientemente pelo silêncio da turma, mas o constante bater de seu pé no chão revela sua impaciência. O tênis esportivo e as roupas confortáveis que ela usava evidenciavam sua paixão por esportes.

Assim que todos se acomodam, ela começa a falar sobre o trabalho que precisaríamos realizar. Não era nada muito complicado, apenas uma chance de melhorar nossas notas. O tema seria realismo e surrealismo, com a tarefa de explicar os conceitos e criar exemplos próprios. Em seguida, Ema nos orienta a formar grupos e a decidir quem ficará responsável pelas partes artística, teórica e pelos slides.

Procuro por Danny com o olhar e a vejo organizando as carteiras. De repente, ela chama um nome que faz meu coração acelerar:

— Andy? Pode vir aqui?

O garoto, que sempre despertou minha curiosidade, olha para ela e, após um breve instante, se aproxima. Danny sussurra algo em seu ouvido, ao que ele responde com um aceno antes de se dirigir diretamente a mim:

— A Danny pediu para te chamar. Vou só pegar sua carteira para nos reunirmos e decidirmos o que fazer.

Sem saber exatamente como reagir, apenas concordo e sigo até onde Danny está. Ela me recebe com um leve cutucão e um olhar provocador:

— Está curiosa, não é? — diz, levantando uma sobrancelha.

— NÃO! — respondo rapidamente, desviando o olhar para esconder meu desconforto.

— Sei... você não me engana, Jas. Esqueceu que somos amigas há cinco anos?

— Só estava observando, Danny. Deixe isso para lá.

Pego minhas coisas que estavam em cima da mesa e Andy coloca minha mesa ao lado da de Danny. Agora, as mesas estão dispostas em um quadrado, com Danny sentada de frente para Lívia, e eu de frente para Andy.

Meu coração acelera, e uma sensação inquietante toma conta de mim. O olhar de Andy cruza com o meu, carregado de algo que não consigo definir. Uma simples formação de grupos nunca me deixou tão cheia de perguntas e incertezas.
Iniciamos decidindo que seria responsável por cada coisa.

Eu- criação das obras
Andy-Slides
Danny e Livy - parte teórica

Assim que tomamos nossas decisões, seguimos para o intervalo. Dessa vez, todos do grupo se aproximaram para conversar, mas havia uma pessoa em particular que me deixava desconfortável: Matheus. Desde o início, percebi que ele me olhava com desdém, como se eu fosse insignificante. Ao conhecê-lo mais de perto, minhas suspeitas se confirmaram. Matheus parecia se deleitar em me menosprezar, escondendo seu desprezo por trás de um sorriso falso.

Bianca, por outro lado, se destacava. Seu jeito de falar era diferente, sem qualquer traço de arrogância; havia um respeito sutil em seu olhar, uma educação que parecia genuína. Ela não queria ser inferior a ninguém, mas também não precisava pisar nos outros para provar isso. Totalmente o oposto de Jennifer, cuja diversão era humilhar e fazer piadas cruéis sobre a aparência dos outros, especialmente de Andy e Livy. A cada comentário maldoso, eu sentia minha paciência se esgotar. Não suportaria aquilo por muito tempo e fazia questão de demonstrar minha reprovação. Na visão de Jennifer, Andy e Livy só eram úteis durante as provas e trabalhos escolares.

Eu estava prestes a explodir quando Livy se aproximou de mim, provavelmente tentando escapar dos comentários cruéis de Jennifer. Eu ainda não entendia o motivo de tanto bullying, até que percebi que estavam rindo e cochichando sobre o pescoço e as orelhas de Livy, características da sua síndrome. Aquilo me incomodava profundamente, e a vontade de revidar era quase irresistível.

Balançando a cabeça para afastar esses pensamentos, voltei minha atenção para Livy, que estava assistindo a um reels do espetáculo O Lago dos Cisnes. Meus olhos se prenderam no vídeo e, sem pensar duas vezes, perguntei:

— Há quanto tempo você... Digo, há quanto tempo você faz balé?

Minha pergunta a pegou de surpresa, mas logo Livy sorriu, se recuperando rapidamente.

— Há sete anos — respondeu, com um brilho nos olhos.

— Uau, isso é realmente impressionante! Só quem ama de verdade consegue continuar por tanto tempo. Isso explica sua postura e a delicadeza em cada gesto.

Livy parecia se animar ao falar sobre sua paixão. Eu estava genuinamente interessada em ouvir mais sobre sua experiência no balé, os desafios que enfrentava e os sonhos que tinha. Continuamos conversando, e sua empolgação era contagiante. Estávamos tão envolvidas na conversa que só percebemos que o intervalo havia acabado quando o alarme tocou, nos lembrando de que era hora de voltar para a sala.

Enquanto caminhávamos de volta, a conversa sobre balé ainda ressoava em minha mente. Livy me mostrou um lado dela que eu não conhecia bem. E isso me deu a certeza de quão seríamos amigas.

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