3. Em chamas.

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O amanhecer seguinte chegou como qualquer outro na fazenda de Antônio La Selva.

A primeira luz do dia encontrou Antônio já desperto, sentado à mesa de café da manhã com Daniel que havia ido com a ajuda de um dos peões do pai para a casa do tio ao raiar do sol, Caio e, é claro, Mortadela, que parecia tão animado quanto os adolescentes. O cheiro do café fresco misturava-se ao aroma da mortadela fatiada e do bolo de cenoura que acabara de sair do forno.

Enquanto os garotos se serviam, Mortadela, sempre atento ao que se passava, notou uma fatia de mortadela especialmente generosa no prato de Antônio. O cachorro, com a destreza de um ladrão experiente, se apoiou no colo do rei do Soja e, num movimento rápido, abocanhou a mortadela do prato do fazendeiro.

⁃ Ei, rapaz! Mas que diabos! - Antônio exclamou, fingindo uma indignação que mal conseguia disfarçar. Mortadela, com a fatia ainda pendurada na boca, saiu correndo pela porta aberta, seus passos rápidos levantando poeira na varanda.

Caio e Daniel explodiram em risadas, as mãos sobre as bocas enquanto tentavam conter as piadas. Antônio, por sua vez, balançou a cabeça com um sorriso largo, observando o cachorro que fugia em direção ao campo.

- Não é atoa que o nome dele é mortadela, pai. - Disse Caio em meio a risadas.

Angelina estava estática com a ousadia do cachorro de furtar uma das comidas preferidas do patrão.

Ágatha, que havia acabado de descer do quarto, observou a cena com um olhar gélido, seus olhos afiados como lâminas.

⁃ Esse cachorro é uma praga! - murmurou ela, cruzando os braços. - Não sei como você permite esse pulguento por aqui, o lugar dele é lá naquele muquifo do seu irmão! - Disse se aproximando.

Daniel fechou a expressão ao escutar a fala da tia que não perdia oportunidade de humilhar sua família. Engoliu em seco o pedaço de pão com mortadela.

⁃ Mas já vem você com esse seu mal humor logo cedo, que coisa chata! - Retrucou Antônio, revirando os olhos, enquanto Caio e Daniel corriam para fora, seguindo Mortadela. - É só um cachorro, deixa o bicho ser feliz. Mortadela não falta nessa casa.

Ágatha se sentou observando como o marido se levantava nervoso, ela manteve o silêncio, lançando um olhar ressentido em direção à porta.

Depois do café, Antônio levou Daniel para um passeio pela plantação. A terra se estendia até onde a vista alcançava, o verde das folhas de soja reluzindo sob o sol que já começava a aquecer o dia. Caio e Mortadela seguiram ao lado deles.

⁃ Às vezes, a vida vai te desafiar, Daniel. -  Disse Antônio enquanto caminhavam, a voz firme e paternal.  - Seu pai pode ser duro, mas você precisa ser mais forte. Não deixe que as palavras ou as ações dele definam quem você é. Você é mais do que isso.

Daniel olhou para o tio, absorvendo suas palavras com a seriedade de quem sabe que a vida pode ser implacável.

⁃ Eu só quero que ele tenha orgulho de mim. Nada do que faço deixa ele feliz, tio. - Murmurou o garoto.

Antônio parou, colocando a mão no ombro de Daniel, forçando-o a parar também.

⁃ Ele tem orgulho, Daniel. Só que não sabe como demonstrar. É um besta. Mas nunca esqueça que você tem a mim. Sempre que precisar, seu velho tio estará aqui.

O menino assentiu, um brilho de compreensão em seus olhos. Mortadela correu à frente deles, latindo feliz, como se quisesse dissipar a seriedade do momento.

Antônio nunca se arrependeria de ter dado aquele cachorro a Daniel quando ele era pequeno em uma noite de Natal. O animalzinho era um bom companheiro.

O idiota do meu cunhadoOnde histórias criam vida. Descubra agora