10. Vislumbre de nós

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Os dias que seguiram aquela sucessão de acontecimentos foram turbulentos. Daniel havia se recuperado quase que por completo, tendo que lidar apenas com o incômodo da tipoia que albergava seu braço machucado.

Ademais do braço quebrado e de alguns roxos, a decepção com o primo não havia cicatrizado por completo. Jamais havia esperado ter escutado Caio falando coisas tão horríveis sobre sua mãe. O garoto havia tocado em um ponto extremamente delicado, Irene era o mais sagrado para Daniel, o mais apreciado.

Apesar dos absurdos, questionou-se momentaneamente se havia algo entre sua mãe e o seu tio. Eles se odiavam, mas, aquilo começava a não parecer impeditivo algum. Daniel, no apogeu de sua adolescência, começava a visualizar as mulheres com outros olhos.

Seu tio Antônio sempre dizia que elas eram complicadas, entretanto, não eram um problema e sim a solução. Talvez ele tivesse razão. Sempre achara a filha dos Junqueira chata e mimada, mas ultimamente a jovem de cabelos loiros lhe arrancava o sono. Ela era uma Graça, parecia tão adorável quanto irritante e aquela dualidade o fascinava.

Refletiu por um momento se seria possível que seu tio achasse o mesmo de sua mãe. Aquilo lhe pareceu absurdo, no entanto, desejou por um instante viver uma vida mais próxima do tio que tanto adorava. Sacudiu a cabeça confuso.

Estava enlouquecendo, talvez fosse a saudades do tio que o consumia, não o havia visto mais depois de toda a confusão do acidente.  O que estava acontecendo?

Seus pais viviam em um pé de guerra. Sentia um clima estranho pairando sobre sua casa desde o dia em que voltara do hospital. Havia uma tensão no ar, algo como palavras não ditas e reprimidas nos olhos aguados de sua mãe.

O mais estranho era ver como sua mãe, uma mulher tão independente e livre, vivia agora dentro de casa sem sair para nada. Curiosamente, um funcionário de seu pai não saia da frente da casa e rondava-à como se guardasse um tesouro precioso ali.

O menino estava solitário em um canto da escola tradicional de Nova Primavera, um pão com mortadela alimentava seus pensamentos confusos enquanto ele encarava Caio do outro lado do pátio, ressentimento era o que restava. Um ressentimento que abria precedentes do orgulho que carregava nas veias, consumindo-o e cegando seus sentimentos fraternais de toda uma vida.

Os devaneios duraram até o momento em que as mechas loiras e brilhantes de Graça pairaram diante de seus olhos. A garota lhe arrancou um sorriso tímido ao lhe oferecer uma maçã.

O que Daniel não sabia era que de fato o peão de seu pai guardava algo precioso dentro daquela casa que agora parecia tão frívola. Irene havia sido proibida de sair de casa por Ademir como castigo pelo fato dela haver tido um envolvimento com Antônio no passado, tendo aberto brecha para que sua paternidade fosse questionada e sua honra manchada diante de seu próprio irmão.

Ela se opôs a aquela ordem até o momento em que Ademir lhe ameaçara sumir com Daniel novamente. Pelo filho ela faria tudo, até mesmo perder a pouca dignidade que lhe restava. Mas aquilo não duraria.

Irene olhava seu reflexo no espelho da modesta penteadeira e não se reconhecia. O reflexo era turvo, paradoxal. O quarto em penumbras parecia engolir sua existência. O cheiro de umidade inebriava suas fossas nasais. Seus sentimentos encerrados dentro de si como uma bomba relógio prestes a explodir. Seus olhos estavam escuros, nublados pelo ódio e ressentimento. Mais uma vez ela se via tomada de raiva.

Se sentiu tão miserável como quando fora vendida por seu próprio pai tão jovem. Tão frágil como quanto naquela noite frívola em que precisou se vender pela primeira vez no bar da Cândida.

O tempo havia passado, as marcas em seu corpo e a juventude aflorando em seu filho evidenciavam esse fato. Mas por que, apesar do curso do tempo, ela ainda se via envolta em uma vida conturbada? Seria um castigo por sua ambição?

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⏰ Última atualização: 4 days ago ⏰

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