38. A mentira das mentiras

103 14 6
                                    

"Mr. Steal Your Girl, then make her cry
You said I'm the love of your life"

Taylor Swift

Sarah

Os lírios eram minhas flores favoritas. Eles ficavam em jarros na parte coberta do quintal, mas, de manhã bem cedo, eu os colocava no jardim aberto, para que pegassem um pouco de luz.

Depois de movê-los de lugar, sentei-me no jardim e respirei aquele ar fresco, com o cheiro da relva. Ainda não era 6h30 da manhã, mas o sol já conseguia me aquecer um pouco e os passarinhos cantavam ao meu redor. Eu havia levado minha bíblia comigo, que abri no Salmo 84. Repeti, baixinho, um trecho:

"A minha alma suspira e desfalece pelos átrios do Senhor; o meu coração e a minha carne exultam pelo Deus vivo!"

Fechei meus olhos e fiz essa oração:

- Senhor, anseio por ti como nunca antes. És tudo o que eu preciso. Peço que me dê forças para lidar com o Lúcio nesse momento, por favor, meu Deus.

Deixei o jardim e entrei em casa. Peguei um copo com água, um comprimido para dor de cabeça e subi as escadas, indo até o quarto da Alice. Estava tudo revirado, como imaginei, a julgar pelos barulhos que ouvi de madrugada.

Encontrei Lúcio acordado, sentado no chão, com as costas apoiadas na parede. Seus olhos estavam fixos na naninha da Lili, mortificados. Abaixei-me ao seu lado e lhe entreguei a água e o analgésico.

- Obrigado, meu amor, mas não vou tomar - disse ele.

- Como assim?

- Eu quero sentir.

- Amor, bebe pelo menos a água.

- Eu menti pra você, Sarah.

- Eu sei. Mais uma vez me jurou que ia parar, mas não parou. Mas, se você já desistiu de si mesmo, eu não vou desistir.

- Não, eu menti... e-eu menti sobre outra coisa.

- Então seja mais específico, que mentir é sua especialidade. O que você fez?

- Eu não voltei a beber apenas esse ano. Tô bebendo há muito tempo.

Respirei fundo e tentei manter a calma.

- Quanto tempo?

- Muito tempo. Anos. Eu vinha conseguindo esconder isso de você e das crianças, mas nesse ano chutei o balde e ficou impossível não perceberem.

- Você pelo menos chegou a parar na última vez?

- É complicado. Talvez naquela época eu só aprendi a me enganar e disfarçar melhor o vício.

- Você não quis continuar no AA na época, disse que não concordava com a metodologia, que era capaz de controlar sua vontade sozinho, me fez acreditar em você...

- Eu tava errado! E depois acabei com tudo, eu fui fundo demais, o que fiz foi imperdoável... foi culpa minha...

- Do que você tá falando?

- O acidente, a morte da Lili... foi culpa minha.

- Não, amor, não foi. O outro carro ultrapassou na faixa contínua e...

- Eu sei, mas se eu desviasse antes... merda, eu não consegui! Meu tempo de resposta tava mais lento, porque... - ele suspirou profundamente - porque eu bebi naquele dia.

Fiquei paralisada. Minha respiração começou a falhar.

- Puxei o volante tarde demais pra tirar o carro inteiro da pista... sobrou na via apenas o lado em que nossa filha estava. Se eu tivesse puxado antes... se eu fosse um segundo mais ágil... só um segundo! Esse "se" me atormenta todos os dias, Sarah.

Amor Infindável Onde histórias criam vida. Descubra agora