Capítulo 1: Não conte a ninguém

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Ele despertou. Um olhar cheio de dúvidas começou a observar tudo ao redor. Era um lugar pequeno, pouco iluminado, úmido e com um forte cheiro de lodo. Não lembrava-se de nada. Não sabia como fora parar ali e nem mesmo seu próprio nome. Ao tentar levantar-se, sentiu um peso sobre suas pernas. Não conseguiu enxergar muito bem, mas, ao tocar, teve certeza de que era uma espada.

Antes que pudesse se levantar, ouviu uma voz rouca e cansada por perto. Ele então viu uma pequena fresta de luz à sua frente. Lentamente aproximou-se para olhar e viu um velho de longos cabelos brancos, bem como a barba. Vestia um manto cinza estampado com folhas de bordo vermelhas e, em sua cabeça, havia uma grande coroa.

— Ontem não me deixaram vê-la. Disseram que eu poderia pegar um resfriado. Haha, idiotas! — disse o velho, depois de abafar a tosse com sua mão. — Me pergunto se você sentiu minha falta. Dizem que você não me ouve, mas, se não quisesse me ouvir já teria me mandado calar a boca, hahaha! — continuou.

Enquanto escutava o velho falar, ele percebeu que estava no interior do tronco de uma árvore velha. Seus pensamentos encontravam-se ainda mais confusos. De repente, a espada, que ele não lembrava de ter pego, caiu de sua mão causando um barulho suficiente para ser escutado do lado de fora daquela árvore. Então ele ouviu outra voz.

— Meu Senhor, fique perto de mim! — disse um soldado, empunhando sua espada e aproximando-se do velho. — Acho que não estamos sozinhos. — completou.

— Ora, Marcus! Deve ser apenas um animal, seu tolo! — disse o velho, rindo do soldado.

— Perdoe-me, meu Senhor, mas conheço bem o som de uma espada. — disse o soldado ao velho e em seguida gritou: — Em nome de Tibério, Senhor deste reino, ordeno que revele-se.

Ouviu-se então o som de um estalo seco seguido por um ranger profundo. Era o som de madeira se despedaçando. De dentro da árvore, do lado oposto ao velho e o soldado, saiu um rapaz com roupas cor de abóbora, segurando desajeitadamente em sua mão direita uma espada longa visivelmente enferrujada e que era quase de seu tamanho. O rapaz, desesperadamente, correu em direção a um pântano logo ao lado de onde estava a árvore. Após uma rápida olhada para trás e sem dizer nenhuma palavra, ele sumiu no mato e na névoa do pântano.

— Devo mandar que o procurem? — indagou o soldado ao velho.

— Deixe-o. Era só um menino. — respondeu o velho, gargalhando. — Diga-me, Marcus, você nunca aprontou quando era um menino?

Marcus inclinou a cabeça em silêncio esboçando apenas um leve sorriso no canto da boca enquanto embainhava sua espada.

O entardecer aproximava-se, mas ainda havia luz mesmo dentro do pântano. O rapaz enfim parou de correr. Cansado, fincou no chão a espada que carregava e sentou-se em um tronco a sua frente. Então, pôde finalmente observar seu próprio corpo: por baixo das roupas cor de abóbora parecia haver um boneco de palha. Incrédulo ele tocou-se dos pés à cabeça e teve certeza: sim, era um boneco de palha. Ao seu lado esquerdo havia uma grande poça de água. Quase rastejando em direção à poça ele apressou-se para olhar seu rosto no reflexo. Sua cabeça era arredondada e parecia ser feita com um saco de pano preenchido com palha.

— Eu sou um espantalho? — indagou a si mesmo enquanto apalpava sua cabeça.

O boneco falante voltou e sentou-se no mesmo lugar. De cabeça baixa, sem entender e tampouco acreditar no que estava acontecendo, ele viu em seu antebraço esquerdo um pequeno pedaço de tecido costurado: era uma etiqueta. E, levantando o braço para olhar mais de perto, viu que havia algo escrito: Páleas Caput. "Será esse é meu nome?" — pensou.

Novamente inclinando a cabeça em direção ao chão ele viu saindo do cano de sua bota de couro a ponta de um pedaço de papel. Ele o puxou: era um pedaço de papel velho provavelmente arrancado de um livro, pois em uma das faces do papel havia parte de um texto que parecia ser de um poema. Na outra face do papel havia uma frase escrita (aparentemente escrita às pressas): "Não conte a ninguém". Aquilo apenas o deixou mais confuso.

A noite caiu. Os barulhos do pântano começaram a mudar como se estivessem trocando de turno e a névoa ficava cada vez mais densa. Ele levantou-se, empunhou a espada e começou a caminhar. Apesar do cenário sombrio ao seu redor ele sentia não estar com tanto quanto deveria estar. Em pouco tempo ele já estava caminhando sob a luz do luar.

O Espantalho, o Livro e o Ladrão - As Crônicas de Páleas CaputOnde histórias criam vida. Descubra agora