A Perseguição (Final)

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O fedor forte de sangue faz meu estômago revirar. O que eu comi no jantar ameaça emergir de volta até minha boca. Obrigo-me a resistir ao vômito e começo a soar frio. O que eu experienciei na primeira noite com Richard nessa casa não chega ao pés dessa. Ele se superou e agora temos um cadáver de uma mulher inocente com a cabeça decepada em suas mãos.

Olho naqueles olhos, olhos de psicopata, a frieza gélida deles me apavora. Tremo sem parar e não consigo sair do lugar pelo cenário sangrento ser tão pesado que se sobrepõe em minhas pernas. É como um pesadelo sem fim. Ele foi e voltou, mais maligno do que nunca.

Quero que isso acabe. Sarah nunca mais vai voltar. Ela se foi. E não consigo engolir toda essa carga de uma vez.

- Monstro! - grito com ele. - Por que fez isso? Meu Deus... Sarah!

- Ela não era nada pra mim. Mas você, ah sim, você é o filho que eu sempre quis ter com a Megan - o prazer com o qual ele diz isso me faz desejar querer vomitar.

- Eu teria nojo de ser seu filho - respondo, enojado e traumatizado.

- Acho que vou ter que lhe ensinar algumas lições, filho. Certas coisas não devem ser ditas e você não é mau criado. É um bom garoto - diz o ser com sua empatia mórbida.

- Socorro! Me ajudem! - peço para que além das paredes da mobília, meu clamor chegue à alguém. David. Onde ele está quando mais preciso?

- Xiu. Eu não vou machucar você. Por que eu faria isso? - mas a faca brilhante e com sangue em sua mão diz o contrário.

- Você... Não tinha esse direito de mata-la!

- Eu fiz o que tinha que fazer. Tirar Sarah do meu caminho. Assim como fiz com o Matt.

Foi como levar uma bala ao invés de um soco na barriga. Aquele nome dito pertencia ao homem que me criou e cuidou de mim até que se tornasse a melhor lembrança que eu tenho em minha memória. Perde-lo foi devastador e saber que o assassino não foi punido é inadmissível. Um ódio percorre minhas veias e faz eu finalmente ter coragem para dar um passo a frente.

Sou eu quem deveria ter aquela faca comigo. Eu nunca fui de apoiar assassinatos, mas eu acabaria com Richard agora mesmo, cravando a lâmina no meio da testa dele. A vingança está dando sinais de que pode ser feita nesse momento.

- Meu pai - digo.

- Crimes perfeitos existem. Aprendi isso com os assassinos de aluguéis. Sempre vai haver uma forma de matar sem deixar rastros. Fazer a polícia de trouxa é a melhor parte. Eles não sabem que foi eu que dei as machadadas nas costas dele.

De repente eu recuo o mesmo passo que dei antes. Relembrar das cenas do corpo do meu pai já sem vida e no estado brutal que foi encontrado é angustiante e revoltante. Eu teria feito muito pior com Richard. Ainda posso fazer. Será que devo?

- Foi você. Eu sabia. Você tinha inveja dele porque ele foi o escolhido pela minha mãe.

- Não, Kyle - rebate ele. - Ele tirou tudo o que devia ser meu. Você, Megan, essa casa. Tudo! Eu não ia suportar vê-los juntos por muito tempo. Eu tinha que fazer alguma coisa e fiz. Dei o fim no meu sofrimento. Acabei com ele. E agora tá na hora de eu pegar o que é meu.

- Não se aproxima de mim - já vou logo avisando.

Ficamos nos encarando por alguns segundos enigmáticos. Está claro que ele está esperando pela minha reação. E a única que demonstro é correr.

Disparo escada acima com a lanterna do celular borrando o foco da luz. Richard me alcança, pegando em minhas peras. Escorrego e caio contra os degraus de madeira. Começo a chutar e acerto um lado da face dele com um dos pés. Ele xinga e recupero o embalo até pular para dentro do meu quarto e trancar a porta.

- Kyle! Venha já aqui!

Empurro com dificuldades um armário pesado contra a porta para bloquear a passagem e corro até a janela. As porradas vem ao máximo do outro lado. Ele está tentando arrombar. Abro a janela e analiso a situação às pressas. Não tem escada, mas posso descer de outra forma.

Agitado de adrenalina, passo o corpo pela a janela e a fecho rápido. Ando sobre o telhado da varanda até o canto, onde me agacho e desço cuidadosamente me segurando na viga. Piso no gramado e sem pensar duas vezes corro pela calçada.

Olho para trás e avisto Richard saindo da casa, vindo atrás de mim. Desesperado, grito por socorro para uma vizinhança deserta. Meus vizinhos ouvirão, chamarão pela polícia. No entanto, eles terão menos de segundos para virem me salvar?

Onde posso me esconder? Como posso despistar meu perseguidor. Parece até que não tenho pra onde fugir. Ele vai me pegar. Sinto que ele está cada vez mais próximo com suas garras estendidas.

De repente, tudo se desenrola num flash inevitável e imprevisível que ninguém espera. Permaneço correndo o mais veloz que consigo enquanto um carro vem cruzando a pista. Faltando poucos centímetros pro veículo me bater, algo atrás de mim é atingido violentamente pelo capo e o som do impacto é de congelar os ossos. Paro e me viro com as pernas trêmulas.

Richard está caído de peito pra cima com o rosto ensanguentado. Ele tossi e cospe o próprio sangue, agonizando. Um homem sai do carro. Na verdade, é uma viatura da polícia. Olho no rosto do indivíduo e encontro o olhar em choque do meu padrasto.

- Kyle! Você tá bem? – pergunta ele, ofegante.

- Ainda não – respondo, agindo logo em seguida sacando o revólver dele do coldre amarrado em sua coxa.

David não reage. Ele simplesmente me assiste destravando o gatilho e apontando o cano para a cabeça de Richard. Depois disso, eu não volto atrás.

- Eu ia ser um excelente pai, seu moleque egoísta – diz ele, engasgado.

- Só lamento, papai.

Aperto o gatilho e a bala atravessa a maçã do rosto dele. O eco do disparo é o suficiente para atrair os vizinhos, que saem de suas casas para averiguarem o ocorrido. Devolvo a arma a David e ele me abraça, me esmagando contra o peito dele. Fecho os olhos ouvindo exclamações e varias vozes ao mesmo tempo.

Assim que as coisas ficam um pouco menos tensas, conto para David o que aconteceu. Ele fica frustrado com ele mesmo pela sua missão para soltar um refém ter levado mais de duas horas, mas está aliviado por ter conseguido me salvar a tempo sem nem ao menos saber que eu estava em perigo. Eu perdoo ele. Richard está morto e a perseguição acabou. Isso é o que importa.

Mais uma viatura da polícia chega em quinze minutos para investigar o que rolou e dou o meu relato aos policiais, que são amigos de David. Uma dupla de homens que trabalha no necrotério recolhe o corpo de Sarah dentro de um saco para o interior de uma van deles. Só então me debruço em lágrimas e soluços pela pessoa que não merecia ter sua vida sendo tirada por alguém que nunca lhe amou. Ela era minha amiga.

Deito minha cabeça no ombro do meu padrasto enquanto choro e ouço ele falando no pé do meu ouvido:

- Eu vou cuidar de você, Kyle. Sempre. Não vou deixar com que te machuquem. Nunca mais.

Padrasto Selvagem - De Volta Ao Lar - Livro 2 (Macho Sujo Safado)Onde histórias criam vida. Descubra agora