A Volta do Stalker

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É estranho saber que minha mãe não está mais em casa e nem perguntei se algum dia ela pretende voltar. O que eu vejo agora é óbvio: David e eu. Embora ele ainda seja o meu padrasto, é como se eu praticamente já tivesse um marido. Que absurdo. Sou novo demais para essas coisas. Ainda nem terminei o high school e tenho a impressão de ter uma aliança no meu dedo.

O resto do dia acaba sendo meio estranho. Não estou feliz com a ida da minha mãe, mas também não estou triste por ter ficado com David. Eu só queria saciar minhas curiosidades libidinosas com ele. Será mesmo que quero ter algo mais com ele? Melhor começar à pensar bem. Sei lá. Estou confuso. Tanta coisa acontecendo e sinceramente eu não tô com cabeça pra lidar com um possível relacionamento agora. E outra, eu ainda nem sei se ele quer.

Depois das aulas, David me busca na escola com a viatura e voltamos pra casa. Ele faz um jantar caprichado: uma lasanha de frango. Comemos e bebemos vinho sentados no sofá enquanto assistimos Jason tocar o terror em Sexta-Feira 13. De certa forma, é aconchegante, até mesmo romântico, estar aninhado no colo dele nessas horas. Devo perguntar à ele sobre o que estamos fazendo? Se agora somos mais que padrasto e enteado nessa casa? As perguntas me dão frio na barriga e não acho que isso tá ajudando.

De repente o celular dele toca e ele atende. Com a voz entediada e revirando os olhos, ele responde e assenti com a pessoa do outro lado da linha. Até que finalmente desliga.

- Foi mal, Kylezinho. Tenho que dar um jeito num cara que está fazendo a esposa de refém dentro da própria casa. Crise de casal.

- Típico em Lake City - respondo, pondo o meu prato com o resto da lasanha na mesinha da frente.

- Não devo demorar. Consegue ficar sozinho por um tempinho? - ele se levanta, prestes a subir a escada.

- Vai lá. Eu me viro. Qualquer coisa eu dou um jeito.

Dou um jeito com uma faca, talvez um cutelo ou uma frigideira. Desde que um stalker invadiu minha casa, penso uma variedade infinita de armas para usar caso eu fique em casa sozinho a noite de novo. Não culpo David. Imprevistos acontece. É o trabalho dele proteger essa cidade, o que as vezes acarreta que eu mesmo me proteja nas horas vagas.

Ele reaparece já vestido com o uniforme preto da polícia e mais uma vez com o celular grudado no ouvido.

- Alô Sarah. Será que pode ficar com o Kyle até eu voltar de uma emergência? Eu te pago. Tem certeza? Beleza. Vem aí - ele desliga.

- Precisava mesmo contratar uma babá? - questiono, brincando.

- Ou era ela ou você no porta-malas de um maluco - rimos juntos dessa.

Cinco minutos depois, Sarah Vaughan entra pela porta da frente, com seu reluzente e clássico cabelo liso escuro em corte chanel.

- Boa noite, homens - ela cumprimenta, sorridente ao abraçar David.

- Oi Sarah. Cuida bem dele. Já, já tô de volta - David fecha a porta antes de sair.

- Oi querido. Como você tá? - ela me cumprimenta e nos abraçamos. Gosto da Sra. Vaughan. Foi ela quem me instrui a se esconder quando Richard, seu marido, veio atrás de mim. Considero a um anjo que me salvou.

- Eu tô bem. Mas parece que meu padrasto acha que eu ainda não estou acostumado à ficar sozinho. Afinal, ele tem razão.

- Quer conversar sobre isso?

- O que acha da gente assistir um filme e aí dissecamos o assunto? - sugiro, voltando a me sentar no sofá.

- Feito. Escolha alguma coisa no streaming. Vou fazer chocolate quente e pipoca - ela deixa a bolsa que carrega na mesinha e se dirigi para a cozinha.

- Obrigado.

Chocolate quente e pipoca não é recomendado para todos que forem comer assistindo Saw. Mas eu não tenho problemas estomacais com cenas viscerais. Com dez minutos de longa, resolvo falar com Sarah.

- Antes da minha mãe ir embora, ela me contou que Richard foi o melhor amigo do papai na adolescência.

- Eu conheço essa história - diz ela, nem um pouco surpresa. - Uma jovem dividida entre dois amores. Ela escolhe um. Mas no final, não era o suficiente. Se dependesse dela, ela teria os dois. Aquele puto me contou tudo antes de eu me dar por conta do real significado de toda essa presepada.

- Na verdade, ela acabou com parte de cada um deles. Em outras palavras, teve filhos.

- Como se sente agora que Richard lhe deu um irmão?

- Não quero pensar nisso - enfim, a repudia. Mesmo que o bebê não tenha culpa de nada. Meu problema é com o pai da criança. Preferia que fosse David ao invés de Richard.

- Richard e eu nunca tivemos um filho se quer. Só de saber que ele engravidou sua mãe, eu apenas desejo que ele nunca mais cruze o meu caminho. Foi demais pra mim.

- Sinto muito. Tá sendo difícil pra todos nós. Queria que tudo isso não passasse de um sonho ruim.

A conversa morre. Não por muito tempo. Só volto a falar quando passo 30 minutos pensando numa coisa inusitada que pode ou não fazer sentido dependendo de como aconteceu.

- Sarah.

- Hum? - ela me olha, curiosa.

- Acha que Richard possa ter matado o meu pai?

- Por que acharia isso? - ela franze o cenho, intrigada com o meu levantamento.

- Já faz seis meses que ainda não encontraram o assassino. Richard queria ficar com minha mãe e eu. Sabe, como se fossemos uma família. Até onde eu sei, ele não é normal da cabeça e faria o que fosse pra ter o que quisesse.

- É uma possibilidade, mas só tem um jeito de saber - já até sei.

- Perguntando pra ele. Acho que prefiro descobrir de outra forma. Quem sabe eu possa estar viajando - assim espero. Do nada essa ideia. Zero relevância.

- Eu vou embora daqui à três semanas - ela comenta.

- Pra onde?

- Vou pra Detroit. Dar início à um novo começo. Quero ser outra pessoa em uma terra em que ninguém me conhece.

- Queria poder fazer o mesmo - fico feliz por ela e até com um pouco de inveja.

- Não se esquece de vir me visitar.

Falta pouco para o final do filme.

- Vou ao banheiro. Já volto. Onde fica?

- Final do corredor aqui de baixo.

Ela me deixa só. Checo o horário. São quase meia-noite. David ainda não voltou. Já faz praticamente uma hora e meia que ele saiu. O que será que aconteceu?

Uma nuvem de preocupação cobre minha cabeça e o imprevisível vem à tona. Queda de energia. A casa inteira mergulha em total escuridão. Ligo a lanterna do celular às pressas, com o coração inquieto.

- Sarah.

Levanto-me e vou atrás dela. Paraliso imediatamente ao ver uma poça de sangue no corredor. Isso não está acontecendo.

- Sarah!

- Kyle.

Não é a voz dela. Viro-me lentamente para trás. Em uma das mãos há uma faca grande. Na outra, a cabeça pálida e decepada de Sarah. Subo o olhar e encontro o sorriso mórbido e perturbador, os olhos azuis elétricos sombrios e o topo calvo da cabeça de Richard Vaughan, vestindo em seu macacão azul marinho inesquecível.

- Vem pro papai.

Padrasto Selvagem - De Volta Ao Lar - Livro 2 (Macho Sujo Safado)Onde histórias criam vida. Descubra agora