Contando A Verdade

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Não tem mais ninguém com ela, mas isso não quer dizer que ela esteja sozinha nesse cômodo. Sobressaltada, ela permanece no lugar enquanto eu vasculho dentro do guarda-roupa, olho de baixo da cama e nem deixo o banheiro de fora da minha supervisão. Ando até minha mãe, que está tão desconfortável quanto eu.

- Cadê ele? – pergunto.

- O que? Kyle... Eu... – ela faz cara de desentendida, o que me irrita mais.

- Apareça Richard! Agora!

- Kyle, o que está acontecendo?

- Eu vi ele! Ele tá aqui! Por que está escondendo ele?

- Ele não tá aqui – ela nega.

- Eu ouvi você falando com ele.

- Eu só estava ensaiando o que vou dizer à ele para manda-lo ficar longe de você.

- E por que eu acreditaria nisso? – questiono, desconfiado.

- Porque sou sua mãe. Sempre vou querer o melhor para você. Independentemente se você está com o meu marido agora.

Ela só falou isso pra eu tirar o foco da real situação, que seria a possibilidade aterrorizante de ter Richard em meu quarto. Não gosto muito disso, mas ela deve estar certa. Ele não está aqui, o que me leva a cogitar que talvez eu esteja enlouquecendo. Não. Acontece que eu ainda nutro o trauma e o que eu vi não passou de uma ilusão, um demônio da minha mente.

Voltando ao fato de eu estar com David, é melhor esclarecer uma coisa sobre isso.

- Não é nada sério – digo, cruzando os braços.

- Por enquanto. Possa ser que isso evolua, não? Vocês devem gostar muito um do outro.

Olho bem nos olhos dela e só encontro sinceridade. Ela certamente refletiu isso mais cedo. Onde será que ela está querendo chegar?

- Desde o começo, eu sabia que David era proibido para mim por causa do relacionamento de vocês. Eu sempre tive essa atração por ele desde que o vi. Não tava nos meus planos ficar com ele. Mas quando ele me seduziu, eu acabei não me contendo.

Sento-me na cama e ela hesita um pouco antes de sentar ao meu lado.

- Eu sei. Eu também fiquei assim quando vi ele no bar depois do trabalho. Foram só umas doses de cerveja e já estávamos mandando ver no galpão dos fundos – não sei por quê, mas ela me faz rir falando assim.

- Por que acha que ele traiu a senhora comigo?

- Eu não sei. Boa parte dos homens não refletem seus próprios desejos. Muito menos após sacia-los.

- No caso de David, é insaciável.

Agora estamos ambos rindo. Ninguém se odeia aqui. Estamos tentando entender o que nos tornou tão perdidos, mas ao mesmo tempo, próximos. Porém, não digo o que eu fiz com ela foi certo.

- Foi mal ter arruinado o seu casamento.

- Tudo bem. Como eu disse, eu merecia. Afinal, eu fiz isso com o Richard.

Eu quase digo “nós somos iguais”, no entanto...

- Posso saber o que deu em você para ficar com ele? Não me diga que foi pela suposta beleza.

- Não – ela balança a cabeça. – Foi muito mais que isso. Você não entenderia.

- Conta para mim. Quem sabe eu entenda. Quero saber a verdade.

- Richard era o melhor amigo do seu pai na adolescência. Ao mesmo tempo que eu estava namorando com o seu pai, eu tentei não ter olhos pro Richard. Eu falhei miseravelmente e fiquei com os dois. Mas no final, decidi que sempre seria o seu pai.

- E o papai nunca soube disso? – é a primeira vez ouço isso sobre o passado deles. Meu pai, que faleceu seis meses atrás, nunca me contou nada sobre isso. Eu nunca vi ele falar com Richard. Entretanto, ele me disse que odiava o vizinho. E agora eu vejo o por quê.

- Eu contei pra ele, mas ele me perdoou – pelo jeito como ela falou, é como se ela não fosse merecedora daquele perdão.

- E esse lance todo que aconteceu recentemente com Richard?

- Embora eu fosse muito mais apaixonada pelo seu pai, eu também estava pelo Richard. Revê-lo foi como abrir uma caixa de pandora. Eu queria tê-lo deixado para trás e superado tudo isso. Mas até hoje eu ainda não consegui tira-lo da minha cabeça – as lágrimas escorrem do rosto dela, angustiada. Aquilo devia ser muito difícil de lidar.

- E o David? Ele não significa nada para você?

- É claro que sim. Só que David representa aquela tentativa de eu seguir em frente amando outro homem. Não adiantou. Mesmo assim, eu gosto muito dele.

Aí me lembro de uma coisa.

- Então, você mentiu.

- O que? – ela me encara, confusa.

- Quando Richard me encontrou ele disse: Deixa eu cuidar de você. Eu garanto que faço isso melhor que David. E tem mais. Ele ainda me mostrou um áudio em que você diz que não tá apaixonada pelo Richard. Que tudo foi passageiro. Mas se você está apaixonada como agora, por que mentiu no áudio?

- Eu pensei que conseguiria me desprender dele e seguir em frente.

- Não tem como. É tarde. Você está grávida dele.

- Eu sei – então, ela não se segura mais e cai aos prantos. Era a última coisa que ela queria ouvir, pois ela tem que lidar com uma nova realidade: um novo filho em seu ventre, meu futuro irmão.

- Richard queria formar uma família com você, mas eu não estou incluído no pacote – recusando fazer parte daquilo, levanto-me e saio do quarto, cansado demais para lidar com aquilo.

O sono infelizmente se torna o meu maior desafio naquela noite. Minha cabeça está tão cheia que estou longe de viajar em outra dimensão inconscientemente. David disse que dormiria no sofá, mas ele logo dá as caras em meu quarto e se joga ao meu lado, cobrindo-me com seus braços. O calor dele é protetor e afasta todo o frio da insegurança. Demora um pouco, mas adormecemos antes de uma dá madrugada.

Na manhã seguinte, antes de eu ir pra escola e David pro departamento de polícia, minha mãe, vem até nós na cozinha, arrastando uma mala de rodinhas.

- Eu estou indo para casa do papai. Vai ser melhor dar um tempo por lá. Se precisar de alguma coisa, me liga – diz ela pra mim.

Dou um abraço longo nela, mas David permanece encostado no balcão, segurando sua xícara de café.

- Não se preocupe. Eu cuido bem do Kyle. Leve o tempo que precisar.

Ela dá um leve sorriso e se vira, saindo pela porta da frente de casa.

Padrasto Selvagem - De Volta Ao Lar - Livro 2 (Macho Sujo Safado)Onde histórias criam vida. Descubra agora