Capítulo 2: Primeiros Golpes

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Lucas crescia, mas a sensação de inadequação também. A cada ano que passava, sua diferença se tornava mais evidente. Aos nove anos, sua voz ainda doce e seus gestos naturalmente delicados faziam dele o alvo fácil para as piadas cruéis dos colegas de classe. Ele tentava caminhar como os outros meninos, imitar suas posturas duras e adotar os interesses que eles tinham, mas tudo isso parecia uma máscara mal colocada. O esforço para ser algo que não era só aumentava seu sofrimento.

Na escola, os corredores se transformavam em um campo minado. A qualquer momento, Lucas podia ouvir as risadinhas abafadas, os sussurros maldosos ou até mesmo ser empurrado de forma disfarçada enquanto tentava se manter invisível. No início, ele ainda tentava se defender, mas logo percebeu que responder só dava mais munição para os ataques.

– Olha só o Lucas, tentando ser machão – zombou um dos garotos, arrancando risadas dos outros. – Vai brincar de boneca com as meninas, é o que você sabe fazer!

Essas palavras cravavam-se em Lucas como espinhos, mas ele não sabia a quem recorrer. Os professores, muitas vezes ocupados ou indiferentes, raramente percebiam o que acontecia, e quando o faziam, limitavam-se a uma advertência leve que não mudava nada. Em casa, ele guardava silêncio, temendo que seu pai o culpasse por não ser forte o suficiente ou que sua mãe ficasse ainda mais preocupada do que já parecia estar.

O isolamento de Lucas se aprofundava. Na hora do recreio, ele se escondia em cantos afastados do pátio, tentando evitar as brincadeiras cruéis dos outros. Sentia-se cada vez mais sozinho, como se fosse uma ilha cercada por um mar de pessoas que ele não conseguia atravessar. Tentou, por algum tempo, reprimir quem ele era. Forçou-se a gostar de futebol, mesmo odiando a brutalidade do jogo, e escondeu suas preferências musicais, temendo mais zombarias se soubessem que ele preferia as músicas pop cantadas por divas femininas.

Contudo, o que Lucas não sabia era que sufocar sua essência só fazia as coisas piorarem. A cada vez que ele tentava ser alguém que não era, o vazio dentro dele crescia. As risadas dos outros tornavam-se ecos intermináveis em sua mente, e ele começou a questionar se algum dia encontraria um lugar onde fosse aceito. A solidão, antes apenas uma sombra, agora o assombrava diariamente.

Ele olhava para os outros meninos, tão seguros de si, e se perguntava por que não conseguia ser como eles. Em casa, o silêncio entre ele e o pai só aumentava, e sua mãe, embora carinhosa, não parecia capaz de entender o que ele estava passando. Aos poucos, Lucas começou a se fechar para o mundo, como um escudo invisível que o protegia das dores mais profundas, mas que também o isolava ainda mais.

As noites eram os piores momentos. Deitado na cama, ele se perguntava por que era tão diferente, por que não conseguia se encaixar. O desejo de ser como os outros meninos era cada vez mais esmagador, mas ao mesmo tempo, algo dentro de si lutava para sobreviver, para não ser apagado por completo. Esse conflito interno era como uma tempestade que nunca cessava, deixando-o cansado, mas incapaz de pedir ajuda.

Naquela solidão, Lucas começou a escrever em um caderno escondido embaixo da cama. Ali, ele colocava seus pensamentos, seus medos, suas dores. Escrevia sobre o que gostaria de dizer aos outros, mas nunca conseguia. A escrita tornou-se seu único refúgio, o único lugar onde podia ser ele mesmo sem medo de represálias. Mesmo que ninguém jamais lesse aquelas palavras, elas eram um grito silencioso de alguém que, apesar de tudo, ainda não havia desistido de encontrar seu lugar no mundo.

Continua....

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