Cicatrizes
Ao olhar para o meu corpo vejo
a minha coleção de cicatrizes
Penso sobre o que aprendi ou deveria ter aprendido
com cada uma delas
Existe um ditado que diz que
se não aprendemos por amor
aprendemos pela dor
No meu caso geralmente era a segunda opção
Mesmo o tempo curando as feridas
que já não estão mais abertas
As cicatrizes nunca irão embora
elas fazem parte de quem eu sou
Sempre que eu me machuco
Quando a ferida vai curando
eu fico observando
Como é o processo lento do meu corpo
Cicatrizar,
fechar,
criar uma nova pele por cima do machucado
Tenho algumas cicatrizes como marcas de uma infância
que já não volta mais;
De quedas na rua,
ao aprender a andar de bicicleta,
ao correr,
ao brincar;
No meu pé esquerdo quase
já não dá pra notar
As marcas do dente do cachorro
que me mordeu
Um dia quando eu fui fazer carinho
na barriga dele
Ele demonstrou tanta raiva ao me morder
Naquele dia, deveria ter aprendido que nem sempre
Quando damos afeto é o que recebemos em troca
Ninguém é obrigado a aceitar o carinho
ou amor que você tem pra dar
Mas mesmo sem saber o que vai acontecer
Você pode ser afeto e esperar pra vê
o que a vida te retribui
No dedo do meio da mão esquerda
a cicatriz de um corte
Foi quando eu sem paciência pra esperar
a água de um litro descongelar na garrafa
Peguei uma faca pra quebrar o gelo
e na primeira tentativa
fez um corte feio na pele
Ao tocar ainda sinto como a pele fica sensível
mesmo hoje sendo apenas uma linha de pele
costurada pelo meu próprio corpo
Foi uma das dores mais intensas que eu senti,
mal sabia que mais tarde a vida
me cortaria em pedaços tão pequenos
Que nenhum remédio do mundo poderia me curar
E que eu mesma sozinha teria que catar todos os meus pedaços
Me reconstruir, me refazer, me reconhecer
No pulso direito quase como uma marca
que sempre esteve ali
Uma mancha marrom de quando
eu quis carregar a televisão de casa
Aprendi ou deveria ter aprendido
que alguns pesos
não conseguimos carregar sozinha
Mas muitas vezes só o que temos somos a nós mesmos
E tá tudo bem, você não precisa carregar todo o peso do mundo
sobre si mesmo.
No dedo do pé direita,
uma linha que se difere de todas as outras
Ganhei ela de presente ao tentar
chutar uma bola no quintal minúsculo
Da nossa segunda casa
Em vez de chutar a bola
chutei um pedaço de ferro que estava no chão
Aprendi ou deveria ter aprendido
que quando tomamos uma decisão
Ela pode não sair como esperamos
nem sempre conseguimos marcar um gol de primeira
Às vezes o caminho vai tem cheiro de álcool, esparadrapo e mertiolate
Os joelhos ralados que denunciam
a infância travessa
Já sentiu a dor de ralar o joelho na rua?
Na pedra, cimento ou no asfalto?
E sentiu o vento batendo no sangue secando?
É uma dor horrível, mas eu sequer sabia que essa dor
Nem se compara a quando ralei meu coração no asfalto
E ele sagrou como nenhum joelho havia sagrado
E não havia nenhum remédio que pudesse curá-lo
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Poesias (não) tão efêmeras
PoetryUma coletânea de poesias carregadas de sentimentos (não) tão efêmeros sobre temas diversos, todos os textos carregam a essência da poeta que habita em mim desde do primeiro poema que escrevi quando quebrei meu coração pela primeira vez.