• Capítulo 03 •

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"A coragem alimenta as guerras, mas é o medo que as faz nascer".
- Émile-Auguste Chartier

• Celeste Ferraz •

Subia as escadas do meu apartamento com a sensação de estar sendo observada; olho repentinamente para a porta de entrada e vejo um ser me observando pelo vidro.

Meu coração pulava dentro do peito enquanto encarava aquela criatura de corpo vermelho vivo e feição desfigurada.

Sinto a necessidade de descer correndo as escadas, mas já era tarde, estava hipnotizada pela íris preta a me encarar; seguro no corrimão quando quase escurrego do degrau, desviando meus olhos do bicho medonho e tentando recompor a respiração, e controlar o suor frio.

Volto a encarar a porta e já não o vejo; subo mais alguns degraus e prosigo no corredor.

As luzes começam a querer queimar, deixando o corredor mais escuro e as paredes pareciam se estreitar, deixando apenas o suficiente para que chegasse até a porta.

Mantenho os dentes mordendo a parte interna da bochecha e tateio minhas mãos em busca das unhas, tentando saber se elas estavam grandes. Só por precaução. O suor mantinha meus cabelos grudados na testa e aos pingos, lambrecam a maçaneta assim que a toco, respiro fundo várias vezes tentando fazer com que o coração não saia pela garganta; abro a porta.

Vazio. É tudo o que vejo.

Pulo quando a porta se fecha de supetão atrás de mim. Sinto algo nos pés e vejo mãos me agarrarem e me prenderem a parede.

Olhos surgem nas paredes a me encarar, todos me julgando de alguma maneira, meu corpo encolhe dormente e ouço os estalos dos meus ossos quebrando. Começo a gritar, mas com que voz?

Tento me debater, porém a tentativa de fuga parecia em vão. Já não tinha ar nos pulmões, nem forças para sair desse aperto, só me restou aceitar todo aquele sangue escorrer corpo abaixo e minhas pálpebras se fecharem pouco a pouco...

Arregalo os olhos, tendo a vista do teto da sala de estar; puxo o ar que faltava e agradeço mentalmente por isto tudo ter sido um pesadelo. Dou impulso com as pernas e levanto, sinto uma leve pressão na cabeça pela rapidez em que fiz isso.

Com as mãos na nunca, ergo o queixo e congelo ao encarar quem estava a minha frente.

Miguel estava descascando uma laranja na porta da varanda, de costas para mim; não parecia reparar que acordei. Observo seus dedos ágeis cortar em espiral e logo após, retirar os gomos, pondo-os sequencialmente na boca.

Ainda sentindo minha cabeça rodar, me pergunto como alguém pode ser tão abilidoso com facas, sendo que eu, nunca consegui fazer o mesmo sem que me cortasse de alguma maneira. Literalmente.

Sua roupa o cobria dos pés ao pescoço, no entanto, isso não me impediu de reparar que onde o tecido não tapava, haviam várias cicatrizes em toda a sua pele. E a que mais se destacava, era a de fora à fora do seu rosto.

Será que estava tentando escondê-las?

Caminho em sua direção ao telefone fixo, localizado no canto da sala, para discar para a polícia e tento manter o silêncio, quase caio ao dar um passo em falso e o chão amadeirado range, fazendo-o virar bruscamente e me encara.

- Vai precisar de mais do que isso para me surpreender - Então solta uma piscadela em minha direção e um riso de canto convencido, por fim enfia a faca no último gomo e põe na boca - Você estava muito agitada dormindo. Teve um pesadelo? - Perguntou com a boca aos cuspes, cheia.

Até que a morte vos mate Onde histórias criam vida. Descubra agora