• Capítulo 02 •

13 4 33
                                    

"A vida queima fácil! Tal cigarro entre os dedos".
-Sannio

• Celeste Ferraz •

Assim que a chave faz o segundo crack ao trancar a porta, retiro os tamancos dos pés marcados pelos sapatos; Quase pude ouvi-los agradecer ao encostar os pés quentes no chão frio, dando um alívio momentâneo.

Cruzo a sala, seguindo para a cozinha. Abro a geladeira, experiencio os pelos eriçarem e pego a garrafa de vinho, sem cerimônia, virando um grande gole. Torci o nariz e sacudi a cabeça de um lado para o outro pela forma que desceu.

Havia se passado uma semana desde a madrugada no cemitério e até então, não conseguia pregar os olhos e quando, acordava de súbito, sem ar.

Vou em direção ao banheiro, a fim de ver meu reflexo no espelho, como todos os dias após o trabalho. Parecia uma baleia em um blazer prestes a arrebentar e mal cabia no próprio reflexo.

Elevo as mãos até o lateral da minha barriga apalpando-a, analisando as manchas roxas abaixo dos olhos e cada curva indesejada. O vinho que segurava só destacava que era fraca e me seduzia facilmente pela comida.

Gorda.

Suspiro, voltando a cozinha e sentando na banqueta da ilha, me permitindo mais um grande gole, que desceu ainda mais quente que o primeiro.

Tinha acabado de ser demitida por um erro que nem foi meu. Isso estava acabando comigo; minha cabeça parecia que ía explodir de tanta dor.

Encosto a cabeça no mármore gelado, cansada de tudo o que vem acontecendo. Esfrego os dedos na testa, sentindo a enxaqueca aumentar. Fecho os olhos, permitindo que as lágrimas caiam uma a uma. Não sabia o que fazer. O trabalho vinha sendo muito desgastante e engordava dia após dia.

Deveria me punir...

Nunca fui do tipo de pessoa que se machucava, mas quando minha mãe morreu, percebi que ela levou para o túmulo o que mais desejei e ela nunca me deu, identidade.

Talvez, fazer isso, me desse ao menos uma vez na vida, a sensação de tomar uma decisão. Por mais burra que fosse.

Respiro fundo, só querendo gritar até que o mundo parasse ou que meus pensamentos se calassem. As lágrimas se transformaram em soluços, desejando um fim para tudo isso.

Levanto e abro a gaveta do armário, onde sempre deixava uma carteira reserva. Subo a manga do blazer, vendo alguns arranhões e outras queimaduras por ponta de cigarro. Uns estavam avermelhados, pela ferida recente, outros cicatrizados...

Não é de agora que venho pensando na possibilidade de fugir dos meus problemas, de preferência, para não mais voltar. Mas será que seria possível escapar dos próprios demônios, ou eles sempre acabariam por me encontrar?

Mas quem iria me encontrar?

Sempre foi eu por eu mesma, nunca precisei de ninguém para nada. Sou plenamente capaz de secar minhas próprias lágrimas. Agora não seria diferente.

Sinto outra lágrima insistente sair dos olhos, passar pelo canto do nariz, e por fim, chegar a ponta do queixo... e cair.

Recosto na pia, acendendo o cigarro, mas sem vontade de tragar. Fico apenas olhando a fumaça subir, espalhando a nicotina por toda cozinha.

Até que a morte vos mate Onde histórias criam vida. Descubra agora