• Capítulo 01 •

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"Bem pior que morrer, é perder a vida ainda vivo".
-João Victor Pereira Barbosa

Celeste Ferraz

O jazigo ao qual eu queria chegar ficava no fim do cemitério, subindo o pequeno morro. Mas, não conseguia erguer a cabeça, apenas observava meus passos constantes. Entretanto, conseguia ver as cruzes e os anjos em cima de algumas lápides.

O vento soprava os montes de folhas secas e as nuvens que predizem a chuva, pairava sobre minha cabeça.

Quando finalmente chego a lápide recém colocada, lembro que seus ferimentos foram fatais e minha mãe não teve chance de sobreviver. A cena do acidente era tão terrível que até mesmo os socorristas, mal conseguiam reconhecer o que restava do carro carbonizado.

As vezes, sinto-me culpada por não ter qualquer sentimento pela sua morte, por mais trágica que tenha sido. Não sinto nada além da sensação de alívio imediata ao ir reconhecer seu corpo, vê-lo moído e saber que eu estava...

Livre?

O cheiro de mofo e terra molhada aumentaram desde a última hora. O céu não mostrava estrelas e mesmo na escuridão da noite, era nítida as nuvens acinzentadas cada vez mais carregadas de água, esbravejando mais e mais alto.

Os pingos logo começaram a cair e o bom senso, me alertava para procurar um abrigo, porém permanecia inerte, vidrada nas poucas lembranças, das quais, faziam questão de me apontar que a única coisa que me prende a este lugar é a sensação de que tudo isto não teria acontecido se eu não tivesse feito o que fiz.

O ar ao meu redor parecia mais pesado, como se pudesse tocá-lo e a incomoda intuição de estar sendo observada me deixava com os músculos rígidos. Ergui a cabeça de forma brusca, fazendo meu pescoço doer.

Uma figura masculina, que aparentava ter um metro e noventa centímetros de altura, os músculos grandes, porém pouco definidos. E seus olhos fundos pelas olheiras, pareciam enfadados, cheios e ao mesmo tempo vazios, mas me atraíam de certa forma. Principalmente uma cicatriz, que cobria metade do seu rosto.

Meu coração batia descompassado enquanto ele hesitava ao dar passos largos e lentos em minha direção, parando a minha frente. Dei um passo atrás. O silêncio se instalava entre nós, contudo, não de uma maneira constrangedora, era apenas silêncio.

Era extremamente estranho.

Não sabia se aquela era a hora de correr para o mais longe que conseguisse. Mas, a curiosidade, me fazia questionar o que um homem, que aparentemente, não havia mais de trinta, fazia naquele lugar e naquela hora da madrugada.

Enquanto me afastava lentamente, tentando ouvir ao menos desta vez o que meu subconscientemente dizia, ele quebrou o silêncio, com uma voz rouca, meio arrastada.

--Desculpe incomodá-la -- ele começou, seus olhos vagam pela lápide com interesse -- É que costumo vir aqui todas as noites. É um lugar de paz para mim -- Arregalei os olhos com a sua confissão.

Nunca havia conhecido alguém que buscasse paz em um cemitério, especialmente aquela hora da madrugada. Mas algo em sua voz, algo na maneira como ele olhava para a terra mechida, me fez entender que havia mais na história dele do que queria ou poderia me contar.

Até que a morte vos mate Onde histórias criam vida. Descubra agora