capítulo 8

21 3 1
                                    

DULCE



Entro no café e, como meu pai ainda não chegou, peço um chá verde no balcão e escolho duas poltronas confortáveis no canto do salão. É sábado de manhã, e o lugar está deserto. Imagino que a maioria das pessoas esteja se curando da ressaca.
Assim que me acomodo na poltrona estofada, o sino da porta soa, e meu pai aparece. Está usando o paletó marrom de sempre e a calça cáqui engomada, combinação à qual minha mãe se refere como seu visual de “professor sério”.
 — Oi, querida — cumprimenta. — Deixa eu pegar um café.
Um minuto depois, ele se junta a mim no canto, parecendo mais agitado que o habitual. — Desculpa o atraso. Passei na minha sala para pegar umas provas
e fui encurralado por uma aluna. Ela queria discutir o trabalho final do curso.
 — Tudo bem. Acabei de chegar. — Tiro a tampa do meu copo e o vapor sobe até meu rosto. Sopro o líquido quente por um momento e dou um gole rápido.
 — Como foi a semana?
 — Caótica. Estava preocupado com a qualidade dos trabalhos que estavam sendo entregues, então estendi minhas horas na faculdade, para receber os alunos
que tivessem dúvidas sobre a prova. Tenho ficado no campus até as dez toda noite.
Franzo a testa. — Você sabe que tem um assistente, não sabe? Ele não pode ajudar?
 — E ajuda, mas você sabe que gosto de atender os alunos.


Sim, eu sei, e tenho certeza de que é por isso que eles o amam tanto. Meu pai dá aula de biologia molecular na pós-graduação da Briar, um curso que ninguém imaginaria ser popular. No entanto, existe uma fila de espera para a turma dele. Assisti a algumas de suas aulas ao longo dos anos e tenho que admitir que ele é capaz de fazer um assunto incrivelmente chato parecer interessante.
Meu pai dá um gole no café, olhando para mim por cima do copo. — Fiz uma reserva no Ferro’s para sexta-feira, às seis e meia. O que a aniversariante acha?
Reviro os olhos. Não sou do tipo que gosta de aniversário. Prefiro comemorações pequenas ou, num mundo perfeito nenhuma comemoração, mas minha mãe é louca por aniversário. Organiza festas surpresa, dá presentes engraçadinhos, obriga garçons a cantar em restaurantes…
ela adora infligir a pior tortura possível. Acho que gosta de envergonhar a filha única. Mas, como se mudou para Paris há três anos e não temos passado meus aniversários juntas, ela recrutou meu pai para assumir a função de me humilhar.
 — A aniversariante só vai aceitar se você prometer que ninguém vai cantar para ela.
Ele empalidece. — Você acha que eu quero passar por isso? De jeito nenhum, querida. Vamos ter um jantar tranquilo e calmo. Quando você falar com sua mãe depois, pode contar como mariachis foram até a mesa cantar para você.
 — Combinado.
 — Tudo bem mesmo não jantarmos no dia do seu aniversário? Se quiser comemorar na quarta à noite, posso tentar sair mais cedo.
 — Sexta-feira está bom — confirmo.
 — Certo, então combinado. Ah, falei com sua mãe de novo ontem à noite  — acrescenta ele. — Ela perguntou se você pensou sobre antecipar o voo para maio. Disse que queria muito ficar com você por três meses, em vez de dois.


Hesito. Estou animada para visitar minha mãe no verão, mas três meses?
Mesmo dois já parece tempo demais, e esse foi o motivo pelo qual insisti em voltar na primeira semana de agosto, embora o semestre só comece no final do mês. Adoro minha mãe. Ela é divertida e espontânea, e tão esfuziante e animadora que é como se você tivesse sua própria líder de torcida, com pompons e tudo. Mas ela também é… desgastante. É uma criança num corpo de adulto, satisfazendo suas vontades sem pensar nas consequências.
 — Vou pensar — respondo. — Não sei se tenho energia para acompanhar o ritmo dela.
Meu pai ri. — Bem, nós dois sabemos que a resposta para isso é ‘não’. Ninguém tem energia para acompanhar o ritmo da sua mãe, querida.
Ele sem dúvida não tinha, mas, felizmente, o divórcio dos dois foi cem por cento amigável. Acho que quando ela falou que queria pular fora, meu pai ficou mais aliviado do que chateado. E quando ela decidiu se mudar para Paris para “se encontrar” e “se reconectar com sua arte”, ele deu todo o apoio.
 — Este fim de semana eu aviso, tudo bem? — Estico a mão para pegar meu chá, mas ela congela no ar quando o sino da porta toca mais uma vez.

o erro Onde histórias criam vida. Descubra agora