No ponto de parada do ônibus, por não lembrar do endereço, pergunto ao cobrador enquanto pegava minha bagagem: a casa de Justino Jatobá, você sabe onde fica?
— Dr. Jatobá, o prefeito?
— Sim, ele mesmo.
— E o que tu quer com o prefeito, você pode dizer? Ele anda ocupado com a mudança da cidade e muito aborrecido com a CHESF...
— Aborrecido com a CHESF? Acho difícil, ele sempre consegue tudo do governo.
— É... mas a CHESF não faz tudo o que ele pede pra ser feito na cidade nova, aí ele se aborrece.
— E você, como se sente com a transferência da cidade por causa da barragem?
— Desgostoso, transtornado, igual a todo mundo. Riopara, Casa Nova, Remanso, Sento Sé e Pilão Arcado, vai inundar tudo. Pena a gente deixar nossa terra assim desse modo forçado, como diz a música... - e cantarola: — "o homem chega e já desfaz a natureza; tira gente, põe represa, diz que tudo vai mudar; vai ter barragem no Salto do Sobradinho, e o povo vai-se embora com medo de se afogar; o sertão vai virar mar, dá no coração, o medo de que algum dia o mar também vire sertão". — Bem, a casa dele fica na praça da matriz, uns duzentos metros depois da igreja. Mas voltan'o, o senhor quer mesmo com ele, o quê?
— Ele é meu avô, vim visitá-lo.
— Veja só! Não sabia que Dr. Jatobá tinha outro neto.
— Que outro neto?
Fico surpreso, pois todos os outros netos de meu avô são mulheres.
— Dizem por aí que sou neto dele, neto filho de puta, mas sou; é o que dizem.
— Neto do Dr. Jatobá! Só se for na vontade, não acredite nesse cara não moço, é o maior mentiroso de Riopara; o apelido dele é Zé Colhuda. – Disse o motorista do ônibus.
Sorri; achei engraçado o apelido. Fui até ele, dei-lhe uma gorjeta, ele se surpreende, inclina a cabeça, depois me olha com respeito e inveja.
— Muito obrigado então, vou indo.
— Boa sorte, irmão.
***
Sendo meu avô um sujeito avexado, estranho ele ainda não ter chegado para me apanhar. E se ele anda tão ocupado como disse o cobrador, imagino sua agonia se não puder vir me pegar aqui no terminal de ônibus, dando ordem e apressando Chiquinho do Jegue, seu empregado de estimação:
— Chiquinho, pegue a charrete pois vou precisar do Jipe; e vá rápido até a parada do ônibus; Edinho está quase chegando.
Suponho a resposta de Chiquinho com sua calma habitual e seu jeito de falar:
— Dr. Jatobá, como o Sr. sabe que ele tá chegan'o? O ônibus nem buzinou ainda; na Serra das Arara, o motorista já desce buzinan'o pra avisar que chega em poucos minuto.
E meu avô, com impaciência:
— Chico, não queira entender o inexplicável; atrele o jegue Tinhoso na charrete, adiante o lado, garanto a você que meu neto já chegou.
***
Reconheci Chiquinho do Jegue, fiel escudeiro da família Jatobá, logo que o vi: mestiço de baixa estatura, eterno solteirão de idade indefinida, manso de fala e olhos atentos a tudo. Ninguém isola Chiquinho de seu jegue, ninguém o chama apenas de Chiquinho, todos o conhecem como Chiquinho do Jegue, do jegue Tinhoso, astuto e teimoso.
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Onde eu nasci passa um rio
RomanceInspirado na clássica narrativa "Édipo Rei" de Sófocles, o romance apresenta a comovente jornada de um filho em busca de sua mãe desconhecida. Navegando pelas cidades ribeirinhas que margeiam o rio São Francisco, Edinho se vê imerso em uma série de...