CAPÍTULO 4:Ruby

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Observo a pessoa à minha frente, que agora revelou seu rosto. Ainda não consigo distinguir se a conheço ou não. Ele está me observando, seu olhar é calmo e inofensivo, então não fico aflita.

— Oi!- diz o homem. Ele deu um passo em minha direção. Não o respondo por enquanto, até saber se posso confiar nele. - Hum… ok. Eu sou Derek, acho que já nos vimos antes. - minha respiração falha por um momento. E se tivesse acontecido algo com a princesa? E se… não, isso não. - peço que me ajude novamente.

— Eu… a princesa? - tento perguntar a Derek com uma tentativa falha.

— Ela está melhor, mas não curada. Olha, preciso que venha comigo, pelo seu bem, e pelo bem da princesa. Sabemos que é uma Nym, a última da sua linhagem, pelo menos até você… você sabe. Você é a única que pode ajudá-la. Por favor, nos ajude.

— Desculpe, Sr. Thorne. Mas eu não posso…

— Por favor, te damos qualquer coisa. - diz me interrompendo

— Você não entende…

— Se você não vir, o rei irá mandar matá-la. E você não tem como fugir
disso. - não dou resposta a Derek, preciso pensar.

Volto a observar as flores, tentando colocar os pensamentos no lugar.
Como poderei ajudá-la? Eu nem mesmo pude me ajudar quando precisei.

— Srta. Ruby… por favor, se você ajudá-la, iremos te proteger, e daremos a você o que precisar.

Solto um longo suspiro e volto a olhar para os olhos de Derek, ele parece sincero comigo.
— Ok. Bom… eu posso tentar, mas preciso ir em um lugar antes disso.
Caso contrário não poderei ajudar a princesa.

— O que você achar melhor. - diz curvando- se. - Preciso que me diga o
local, para que eu possa conseguir mantimentos suficientes para a
viagem.

— Não se preocupe, não precisaremos de nada. Além que não tenha mantimentos suficientes para dois dias de viagem. -digo olhando para sua sacola.

— Hum… - diz abrindo a bolsa e olhando seu interior, e dizendo
palavras que não consigo ouvir. - tenho o suficiente para nós dois.
Assinto com a cabeça.

— Vamos. - digo.

— Ok, mas aonde vamos? - pergunta curioso.

— Você saberá quando chegarmos. - digo por fim.

Derek não precisa saber os detalhes, porque saberá quando chegarmos. E ele provavelmente se arrependerá de ver o que está por vir.

O sol está bem acima de nós, fazendo com que gotas de suor escorram
por nosso rosto. Meu cabelo está
começando a ficar molhado na região

das têmporas, mas temos que passar por um pequeno lago para chegarmos ao local onde vamos.
Após uns cinco quilômetros de caminhada, Derek avistou um campo, e
uma memória fotográfica surge à tona em minha mente. O pequeno riacho que ali passava, o pasto verde sob meus pés, e ao longo do campo… tulipas. Sorrio com a visão que tenho. Maravilhada, começo a caminhar em direção ao riacho. A um punhado de terra que me permite atravessar apenas com um passo. Derek já está a minha frente, tentando reconhecer a direção que estamos indo. Eu por outro lado, estou mais incomodada em apreciar a visão das flores, porque sei que talvez essa seja minha última visita a esse lugar.
Gosto dessa liberdade.

Estou observando um pequeno dente de leão quando Derek se aproxima de mim. Não reparo no que está segurando até ele colocar a minha frente. Observo encantada e sem reação. Derek havia colhido uma tulipa, mas não uma tulipa qualquer, ela era diferente. Entre todas
as tulipas rosas e brancas, essa era única de cor diferente, suas pétalas
são amarelas com bordas alaranjadas, fazendo um degradê sutil e delicado. Ela parece captar a luz, como se estivesse banhada com um brilho dourado.

— Para você, querida Ruby. - diz Derek colocando-a atrás de minha orelha, e arrumando a mecha de meu cabelo. Sorrio.

— Obrigada, Derek. - digo baixinho, ainda impressionada com a flor. -Onde a encontrou?.

— Ela estava próxima ao rio…sozinha. Percebi que gostava de tulipas pelo seu olhar. - diz olhando fundo nos meus olhos. - Lembrei de você quando a vi. Isolada de todos e de tudo, mas mesmo assim brilhava entre meio a tudo.
Ele diz essas palavras tão calmante, como se… não sei explicar, eu nunca tinha sentido isso, ouvido algo tão…lindo. Olho para Derek que me observava esperando uma reação, como reagir a isso? Eu nunca
socializei com ninguém a não ser minha própria mãe.

Pego-me pensando em como é conviver com outras pessoas, ser uma pessoa normal, sem responsabilidades absurdas de carregar uma linhagem de bruxas. Eu nem sequer consigo ser uma bruxa da maneira certa. Penso em como é ser amada por alguém e amar na mesma intensidade, sem que seja apenas para a reprodução, a fim de manter viva uma linhagem que ninguém nunca irá conhecer de verdade.
Como seria amar alguém que te ama? Verdadeiramente?
Como seria amar Derek? Na mesma hora que esses pensamentos surgem, eles somem. Balanço a cabeça os negando.
— Está tudo bem? - Derek pergunta. Havia se passado alguns minutos.

— Desculpe… eu não sei o que dizer, a não ser um simples obrigada. -dou um sorriso tímido.
E realmente é um simples obrigada, comparado ao que ele acabou de
fazer.

— Queria poder retribuir de alguma forma. - digo por fim.

— De qualquer forma, Ruby? - pergunta Derek, já não nos referimos mais um ao outro como senhor e senhorita, acho que nos tornamos “íntimos” de alguma forma.
Assinto em resposta.

— Me conte sobre você. - uau. De todas as coisas que ele poderia pedir
ele pede isso?

— Ok… mas vamos fazer diferente. O que quer saber sobre mim? - pergunto.

— Como é ser uma bruxa? - pergunta Derek me olhando nos olhos

Dou uma risadinha sarcástica.

— Bom… não me consideraria uma bruxa. Ainda mais uma das Nym. - digo. Derek não diz nada, apenas continua me observando, e o agradeço por isso. - Eu não sei se deveria te contar isso, mas vamos lá - pego o diário e abro na primeira página, onde conta a origem de uma Nym, e como elas se tornam uma:

“ Comecei esse diário, para que, em algum momento da minha vida, às
filhas saibam quem realmente somos, e como nos tornamos uma de nós. Nós nos originamos quando nossa mãe, Aeternis, entrou em um acordo com Nasri, o coração. A partir dele, ganhamos vida e poder no útero de nossas mães biológicas. E quando morremos, voltamos à nossa origem.
Toda Nym nasce com algum poder forte, caso contrário, não é uma de nós. Não sabemos de fato como nos tornamos assim, afinal, precisaríamos encontrar Nasri para nos dar explicações, e ninguém nunca o encontrou depois de Aeternis. Dizem que ela está aprisionada
no coração, e só pode sair de lá na lua nova, quando uma de nós abre o círculo de Nymboria. “

— Uau… e isso realmente é verdade? -
Derek pergunta

— Sendo sincera, eu não faço a mínima ideia. - Abaixo o olhar para o diário e solto um suspiro. - acho que não sou uma Nym… eu deveria ter algum poder, mas… Eu nunca nem consegui abrir o círculo.

— O que é o “círculo”? E o que significa Nymboria? - pergunta.

— O círculo é onde falamos com a
mãe…

— Na floresta Heavy? - pergunta me interrompendo. Assinto em resposta.

— E Nymboria significa… Vamos por partes. “Nym” remete a ninfas ou seres ligados à água, e "boria" é inspirado no céu ou no vento.

— Uau - diz Derek boquiaberto. Dou um sorriso

— É uma história complicada e sem
sentido. - balanço a cabeça.

— Realmente. - Derek ri

— É muito bom ter alguém para conversar. - digo desabafando. — As
vezes só queria ser uma pessoa “normal” como você, talvez minha vida seria mais fácil.

— Pode ter certeza, Ruby, que nenhuma vida é fácil. E se for, alguém está sofrendo a custa disso.

[390] Corações sombrios Onde histórias criam vida. Descubra agora